Editorial – Revista Lumen Veritatis

A Santa Igreja, mãe e mestra de todos os fiéis, é o farol que ilumina o caminhar do povo de Deus, assinalando-lhe, com base nas Escrituras e na Tradição, as verdades a serem cridas com total adesão de sua vontade e inteligência. Assim, mediante seu Magistério, vela com materna solicitude pelo depósito da fé a ela entregue, e o propõe aos fiéis por meio da palavra. O Romano Pontífice e os bispos em comunhão com ele “são doutores autênticos, que pregam ao povo a eles confiado, a fé que se deve crer e aplicar na vida prática; ilustrando-a sob a luz do Espírito Santo e tirando do tesouro da Revelação coisas novas e antigas (cf. Mt 13,52), fazem-no frutificar e solicitamente afastam os erros que ameaçam o seu rebanho (cf. 2 Tm 4, 1-4)”  (1).

O Magistério da Igreja dá-nos a certeza do bom caminho a ser trilhado para alcançarmos a verdade e o bem, uma vez que é protegido pelo carisma da infalibilidade sempre que “o Romano Pontífice, em virtude de sua autoridade de Supremo Pastor da Igreja, ou o colégio dos bispos em comunhão com o Papa, sobretudo quando reunido em um Concílio Ecumênico, proclamam por um ato definitivo uma doutrina referente à fé ou à moral; e também quando o Papa e os bispos, em seu Magistério ordinário, concordam em propor uma doutrina como definitiva” (2) .

Assim, pela fé na promessa de seu Divino Fundador de dar o dom do Espírito Santo, o qual “conduzirá à verdade plena” (Jo 16, 13) a sua Igreja, todo crente é obrigado a prestar aos ensinamentos do Magistério infalível o seu assentimento firme e definitivo.

Os pastores, porém, são assistidos sempre pelo Espírito Santo, inclusive no exercício de seu Magistério ordinário, ao propor ensinamentos que conduzem suas ovelhas a uma “melhor compreensão da Revelação em matéria de fé e de costumes” (3) , e isto dá-se também quando não se pronunciam de modo definitivo ou “ex cathedra”. Neste caso, pede-se aos fiéis, em consideração da assistência divina ao Magistério autêntico dos seus pastores, a adesão “com religioso obséquio da vontade e da inteligência” (4) aos ensinamentos propostos por eles.

Eis, prezado leitor, a explicação do caráter tomista da nossa revista.

Com efeito, a insistência dos Papas, tanto os mais recentes quanto seus antecessores, em recomendar o Aquinate como mestre da ciência teológica, confere-lhe grande autoridade na matéria e torna temerário abandonar a luminosa esteira do seu pensamento, particularmente no referente aos temas metafísicos (5) e no âmbito da teologia especulativa em geral. Efetivamente, o Concílio Vaticano II – o primeiro dos Concílios Ecumênicos a recomendar um teólogo, sendo este São Tomás – no seu decreto Optatam Totius, aconselha ordenar o ensino da dogmática de tal forma que se inicie pelo estudo do contributo aportado pelos Padres da Igreja na explanação e comunicação das verdades contidas na Revelação, e, “depois, para aclarar, quanto for possível, os mistérios da salvação de forma perfeita, aprendam a penetrá-los mais profundamente pela especulação, tendo por guia São Tomás, e a ver o nexo existente entre eles” (6).

Uma sintética amostra dos Pontífices que ratificaram com sua autoridade a doutrina do santo doutor, servir-nos-á como ilustração a respeito (7) : João XII, que o canonizara no ano 1323, o recomenda mais que os outros mestres; São Pio V afirma que a Igreja fez sua a doutrina teológica do santo e lhe concede o título de “Doctor Angelicus”; Clemente VIII assevera estarem seus ensinamentos limpos de qualquer erro; Leão XIII, autor da encíclica Aeterni Patris, assinala a idoneidade de sua ciência, a qual deve ser preferida à ensinada por outros doutores, em caso de desacordo; São Pio X indica sua obra como regra certíssima da doutrina cristã; Pio XI, em sua encíclica Studiorum Ducem, recomenda: “Ide a Tomás” (8) . Mais adiante, Paulo VI – que o chamara de “Doctor Communis Ecclesiae” -, João Paulo II e nosso atual Papa, Bento XVI, têm, por sua vez, confirmado, como veremos no artigo Porque ser tomista?, a autoridade de sua doutrina (9) .

A Igreja não só tem chancelado desta forma a idoneidade dos ensinamentos do Doutor Angélico, como também no-los recomenda de maneira mais destacada ainda que a de outros dos seus insignes Doutores, segundo o Papa Paulo VI, na sua carta Lumen Ecclesiae (10) .

Tal constância do Magistério estimula os fiéis a aprender a doutrina deste santo teólogo e a ensiná-la, na trilha do que nos aponta a Constituição Lumen Gentium do Concílio Vaticano II: “Esta religiosa submissão da vontade e do entendimento é por especial razão devida ao Magistério autêntico do Romano Pontífice” de tal forma que, “seu supremo Magistério seja reverentemente reconhecido, se preste sincera adesão aos ensinamentos que dele emanam” (11).

Com efeito, fiel a seu carisma próprio de união “efetiva e afetiva” com o Romano Pontífice, a Revista Lumen Veritatis não pretende ser senão um eco dos ensinamentos do Magistério da Santa Igreja de Deus, ao escolher como fonte de pesquisa e estudo a doutrina deste grande Santo e Doutor da Igreja: Tomás de Aquino.

CONCÍLIO VATICANO II. Lumen Gentium, n. 25. Disponível em: . Acesso em 20 fev. 2007.
CATECHISMO DELLA CHIESA CATTOLICA – Compendio. Roma: Editrice Vaticana, 2005. Tradução nossa. 
CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Instrução sobre a vocação eclesial do teólogo. Donum veritatis. Nº. 17. Dada em 24 de maio de 1990. Disponível em: . Acesso em: 15 jun. 2007. Tradução nossa.
4 Ibidem. Documentos do Magistério sobre a “Professio Fide”. Disponível em: Acesso em: 10 jun. 2007. Colocamos o parágrafo completo da declaração de Fé segundo consta no documento supracitado: “Adiro ainda, com religioso obséquio da vontade e da inteligência, aos ensinamentos que o Romano Pontífice ou o Colégio Episcopal propõem quando exercem o Magistério autêntico, ainda que não entendam proclamá-los com um ato definitivo”.
Cf. PIO XI. Studiorum Ducem. 29 jun. 1923: “e bene aggiunge lo stesso nostro Predecessore: ‘Allontanarsi dall’Aquinate, specialmente in metafisica, non può essere senza un grande danno'”. Disponível em: . Acesso em 13 maio 2007. Ver o texto na Encíclica Pascendi, disponível em: http://www.vatican.va/holy_father/pius_x/encyclicals/documents/hf_p-x_enc_19070908_pascendi-dominici-gregis_po.html Acesso em: 13 maio 2007.
CONCÍLIO VATICANO II. Optatam Totius. Disponível em: . Acesso em: 6 maio 2007. 
Cf. MOURA, Odilão OSB. Introdução. In: AQUINO, Tomás de. Exposição sobre o Credo, São Paulo: Loyola, 1997.
PIO XI. Studiorum Ducem. Disponível em: . Acesso em: 3 fev. 2007. Tradução nossa. 
Disponível em: http://www.aquinate.net/p-web/Portal-Tomismo/Tomismo-significado/tomismo-significado3edicao.htm>. Acesso em: 6 maio 2007.
Cf. Paulo VI. Carta Lumen Ecclesiae, 20 nov.1974: “La Iglesia, para decirlo brevemente, convalida con su autoridad la doctrina del Doctor Angélico y la utiliza como instrumento magnífico, extendiendo de esta manera los rayos de su Magisterio al Aquinate, tanto y más que a otro insignes Doctores suyos”. Disponível em: . Acesso em: 20 maio 2007. 
CONCÍLIO VATICANO II. Lumen Gentium, n. 25. Disponível em: Acesso em: 14 mar. 2007.

http://www.arautos.org.br/view/list/902-lumen-veritatis

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O De Trinitate de Santo Agostinho – Alguns detalhes circunstanciais

Marcelo Pereira de Andrade (1)

Introdução

O De Trinitate não é simplesmente uma obra, mas um verdadeiro monumento. E como todo monumento, possui uma história de sua construção, detalhes que, às vezes, estão ocultos aos olhos dos admiradores que contemplam o monumento terminado. 

O presente trabalho pretende contar um pouco da história dessa grandiosa construção do pensamento teológico cristão. Não se trata de um comentário, nem mesmo de uma introdução; senão de uma atenção aos detalhes circunstanciais que, de alguma maneira, marcam sua composição, tais como os motivos, do que trata e de alguns episódios da vida de Agostinho no momento da redação.

O trabalho se divide, portanto, em três partes. A primeira trata do sentido da busca da Trindade. Agostinho herda o problema da eudaimonia da filosofia grega e o repensa à luz da perspectiva cristã. A segunda parte trata de uma breve contextualização da obra e do seu objetivo: demonstrar a Trindade considerando a singularidade das Pessoas divinas do Pai, Filho e Espírito Santo em regime de simultaneidade. A terceira parte trata da vida de Agostinho no momento da composição do De Trinitate.

1. O sentido da busca

1.1 A busca da beatitude

Para Agostinho, o homem faz filosofia porque deseja ser beatus (feliz)2 . “… nenhuma é a causa do homem filosofar, senão para ser feliz […] nenhuma é, pois, a causa do filosofar, senão o bem último: e não se poderia denominar escola (secta) filosófica aquela que não buscasse o bem supremo” (De ciu. Dei XIX, i,1).

Segundo Holte (1962, p. 12), Agostinho entendia que o problema do bem supremo (finis boni) – bem final, literalmente – e do mal supremo(3) (finis mali) – era o problema essencial da filosofia antiga: “Os filósofos têm disputado muito diversamente do fim dos bens e dos males, e têm se dedicado a encontrar isso que pode fazer o homem feliz” (De ciu. Dei XIX, i,1).

Na verdade, o pensamento agostiniano também possui este aspecto eudaimonístico, como afirma Gilson (1987, p. 1): “la philosophie fut immédiatement et demeura pour saint Augustin autre chose que la recherche spéculative d’une connaissance désintéressée de la nature; ce qui l’inquiète surtout, c’est le problème de sa destinée”. Ora, a raiz dessa inquietação é justamente o desejo da beatitude inerente a todo ser humano: “todos queremos ser felizes” (De beata uita II, 10)4 . É esta a expressão da vontade comum dos homens: “todos quereis ser felizes e não quereis ser miseráveis” (De trin. XIII, iii, 6)5 . Essa vontade permite um juízo teleológico de um bem procurado por si mesmo, que em todas as circunstâncias deve ser escolhido pelo homem. O papel da filosofia é o de auxiliar o homem na busca da beatitude, apontando em qual direção deve mover deu desejo para encontrar o bem. O problema é a diversidade e a variedade de opiniões acerca dele:

Sendo uma a vontade de todos em alcançar e reter a beatitude, é de admirar quão variadas e diversas são as vontades acerca desta mesma beatitude, não porque haja alguém que não a queira, mas porque nem todos a conhecem (De Trin. XIII, iv, 7).

Contudo, essa Babel de opiniões possui uma unidade fundamental: os filósofos, mesmo que disputassem sobre o bem supremo, pressupunham sempre sua existência(6) . Nem mesmo os céticos acadêmicos discordavam disso, pois, como diz Agostinho, quando o acadêmico Cícero buscou um princípio indubitável, encontrou o desejo da beatitude:

Será falso o princípio do qual não duvidou o acadêmico Cícero – e os acadêmicos duvidavam de tudo – quando, ao pretender partir de uma coisa certa, da qual ninguém duvidasse, começa seu Diálogo Hortensius tendo como exórdio de seu discurso: “Todos certamente queremos ser felizes”? Longe de nós afirmar que isso seja falso (De Trin. XIII, iv, 7).

Assim também com Agostinho, que faz da perspectiva eudaimonística o núcleo do seu pensamento e o sentido mesmo de seu filosofar(7) . 

1.2 A busca de Deus

Mas a herança da idéia de beatitude da filosofia antiga é repensada por Agostinho à luz da revelação bíblico-cristã. O relato do contato com o Hortensius de Cícero, em Confissões, permite entender resumidamente o eudaimonismo do jovem Agostinho:

…e seguindo a ordem usada no ensino de tais estudos, cheguei a um livro de um certo Cícero, cuja linguagem quase todos admiravam, ainda que não o coração. Este livro contém uma exortação à filosofia e se chama Hortensius. Este livro mudou meus afetos e o modo de dirigir-me a ti, Senhor, minhas súplicas e fez com que minhas aspirações e desejos fossem outros. De repente, pareceu aos meus olhos desprezível toda vã esperança, e com incrível ardor em meu coração, suspirava pela imortalidade da sabedoria e comecei a levantar-me para voltar a ti (Conf. III, iv, 7).

Ao escrever as Confissões – por volta do ano 400 – Agostinho repensa a experiência da leitura de Hortensius(8) – que ocorreu por volta de 373 – à luz de sua vida cristã. A conversão à filosofia é entendida como conversão ao amor à sabedoria: “o amor à sabedoria tem um nome em grego, que se diz philosophia, ao qual me ascendiam aquelas páginas”(9) . E a sabedoria está em Deus, é o próprio Deus: “Como ardia, meu Deus, como ardia de desejos de revoar das coisas terrenas a ti, sem que eu soubesse o que tu obravas em mim! Porque em ti está a sabedoria (Job 12, 16)”10 .

O De beata uita – escrito em 386, após a conversão de Agostinho – apresenta o bem que nos concede a beatitude como sendo Deus, pois só ele pode satisfazer as condições do bem supremo: permanente, eterno, independente da sorte e não sujeito às vicissitudes da vida(11) . Deus é eterno e imutável; “logo, é feliz o que possui a Deus” (De beata uita II, 11). 

Como observa Gilson (1987, p. 01), “est un fait capital pour l’intelligence de l’augustinisme, que la sagesse, objet de la philosophie, se soit toujours confondue pour lui avec la béatitude”. Isso significa que Agostinho deseja a verdade em vista da beatitude, mas jamais concebeu a beatitude como possível sem a verdade. A possessão da verdade é condição necessária à beatitude. Verdade e beatitude são duas faces de um mesmo problema, pois achando a verdade encontramos também a beatitude(12) . E se a beatitude coincide com a sabedoria, a sabedoria, por sua vez, coincide com a própria plenitude(13) . Daí que, buscar a sabedoria e a beatitude seja, no fundo, buscar a plenitude. Ser plenamente significa ser sempre feliz. Por isso, ao retomar o problema da beatitude em De Trinitate XIII, Agostinho trata da imortalidade. 

Após afirmar que o homem feliz é aquele que vive como quer e não deseja o mal , Agostinho explica que nada deseja de mal (14) quem deseja a imortalidade, pois para viver feliz, é mister que o homem viva sempre (15) . E esclarece também que aquele que vive como quer, é aquele que sabe o que quer, isto é, aquele que sabe que quer viver bem (16) . 

Porém, neste mundo, o homem é feliz na esperança (spe beatus est)17 , pois somente após suportar as misérias desta vida, no exercício das virtudes (18) , passará à beatitude verdadeira ou plenitude e conseguirá “o que agora de nenhuma maneira consegue, isto é, o homem viver como quer. Por isso, a fé em Deus é imprescindível nesta vida mortal, tão cheia de erros e tribulações” (De Trin. XIII, vii, 10)19 , pois se ser bem-aventurado na esperança significa esperar uma beatitude que ainda não se possui, aquele que é atribulado sem essa esperança é, no fundo, infeliz: “Mesmo que proceda com tolerância [aos males], não é deveras bem-aventurado, mas corajosamente miserável. Ora, alguém assim não vive como quer, mas apenas suporta os sofrimentos da vida que não quer” (De Trin. XIII, vii, 10). Na verdade, diz Agostinho: “quer o que pode, porque não pode o que quer”. E acrescenta: “Nisto consiste toda a beatitude ridícula e digna de compaixão dos soberbos mortais, que se vangloriam de viver como querem porque suportam com paciência o que não quereriam que lhes sucedesse”.

A fé promete o futuro imortal ao homem e, como conseqüência, a beatitude verdadeira.

Por isso, quando se diz no Evangelho que Deus deu o poder de se tornarem filhos de Deus aos que o receberam, Jesus explicou brevemente o que significa o receberam, ao dizer: Os que crêem em seu nome; e declara como se tornaram filhos de Deus, acrescentando: Os que não nasceram do sangue nem da vontade da carne nem da vontade do homem, mas de Deus. E a fim de que a fraqueza humana, que vemos em nós e sentimos, não leve a perder esta dignidade tão excelsa, juntou no mesmo lugar: e o Verbo se fez carne e habitou entre nós (Jo 1, 12-14), como que persuadindo o que parecia inacreditável (De Trin. XIII, ix, 12).

Se o desejo da beatitude é buscar a Deus, alcançá-Lo é a própria beatitude. “Mas nós o seguimos amando…” (De moribus Eccl. cath., XI, 18). O seguir amando sem alcançá-Lo significa seguir amando na fé.

Portanto, frente às discussões das escolas filosóficas acerca do bem, Agostinho aponta o Deus da revelação cristã como o bem supremo, a beatitude verdadeira. E se o Deus da fé de Agostinho é o Deus cristão, querer ser feliz e buscar a beatitude significa amar e buscar a Trindade, pois “a Trindade é um só e verdadeiro Deus” (De Trin. I, ii, 4).

1.3 A busca da Trindade

A doutrina trinitária de Agostinho expressa em seus primeiros diálogos era fortemente marcada pelo chamado “círculo de Milão” (20) . Todavia, “il cui contenuto dottrinale è molto più cristiano di quanto comunemente si pensi” (CIPRIANI, 1997, p. 312). 

Em De beata uita, por exemplo, após explicar que a sabedoria é a plenitude, Agostinho adverte de que buscar a plenitude significa buscar a medida. A plenitude evita o excesso da alma, como a luxúria, a ambição, a soberba, a ganância, o medo, a tristeza e a crueldade (21) . A medida exclui o excesso e a falta: “É assim que na plenitude há medida. Logo, a medida da alma está na sabedoria”. (De beata uita IV, 32). É, portanto, a mesma coisa possuir a sabedoria, a beatitude, a plenitude e a medida; porque isso significa possuir a Deus:

Mas que sabedoria será digna desse nome, a não ser a Sabedoria de Deus? Pela divina autoridade sabemos que o Filho de Deus é a Sabedoria de Deus (1 Cor 1, 24); e o Filho de Deus, certamente, é Deus. É feliz, pois, quem possui a Deus, segundo estamos todos de acordo desde o primeiro dia deste banquete. Mas o que é a Sabedoria de Deus senão a Verdade? Com efeito, também está dito: Eu sou a Verdade (Jo 14, 6). Mas a verdade encerra uma Suprema Medida, da qual procede e à qual retorna inteiramente. E essa Suprema Medida é por si mesma, não por algo extrínseco. E sendo perfeita e suprema, é também verdadeira Medida. E tal como a Verdade procede da Medida, assim também a Medida se manifesta pela Verdade. Nunca houve Verdade sem Medida, nem Medida sem Verdade. Quem é o Filho de Deus? Já o dissemos e está escrito: a Verdade. Quem é aquele que não possui Pai, senão a Suprema Medida? Logo aquele que vem à Suprema Medida pela Verdade é feliz. Isto é possuir a Deus, isto é gozar de Deus (De beata uita IV, 33).

Além disso, o desejo de buscar a Deus tem sua origem no próprio Deus: “Mas certo aviso que nos admoesta a recordarmos de Deus, a buscá-lo, a desejá-lo sem indiferença, nos vem da fonte mesma da verdade. Aquele sol escondido irradia esta claridade em nossos olhos interiores” (De beata uita IV, 35) 22.

Segundo Cipriani (1997, p. 278), admonitio é a ação do Espírito Santo (23) . Desse modo, pode-se dizer que Agostinho nos apresenta a Trindade, pois o Filho de Deus é a verdade e a sabedoria, o Pai é a suprema medida, e o apelo interior que nos admoesta a buscar a Deus, o Espírito Santo. Essa dinâmica da busca de Deus é expressa por Agostinho de maneira célebre em Confissões: “Porque fizeste-nos para ti, o nosso coração está inquieto até que descanse em ti” (Conf. I, i, 1).

A busca do Deus cristão significa a busca da Trindade verdadeira. Por isso, Agostinho enfrenta o problema das inflexões acerca da Trindade e procura mostrar o Deus Uni Trino na obra intitulada De Trinitate. Nela o autor busca uma melhor compreensão do mistério trinitário cristão, isto é, mostrar que “é a Trindade suprema que nós buscamos, quando buscamos a Deus” (De Trin. XV, ii, 3).

2. Contexto e objetivo do De Trinitate

O De Trinitate se situa na busca de uma melhor compreensão do mistério trinitário cristão, como já dissemos. Agostinho enfrenta o problema de demonstrar a Trindade – isto é, o Deus Uni Trino -, considerando a singularidade das Pessoas divinas do Pai, Filho e Espírito Santo em regime de simultaneidade:

Portanto, com a ajuda de nosso Deus e Senhor, empreenderemos a tarefa que nos pedem, o quanto podemos, demonstraremos que a Trindade é um só e verdadeiro Deus, e quão retamente se diz, se crê e se entende que o Pai, o Filho e o Espírito Santo possuem uma só e mesma substância ou essência… (De Trin. I, ii, 4).

O problema fundamental é o de “pensar a unidade da Trindade ao mesmo tempo em que a singularidade das Pessoas divinas” (CARON, 2004, p. 25), motivo de perturbação para alguns. O mesmo autor afirma: “Alguns ficam perturbados quando ouvem falar que Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo, ou seja, a Trindade, não são três deuses, mas um só Deus”.

As perturbações são aumentadas pelas inflexões acerca do Deus Uni Trino (24) . Ainda que o Concílio de Nicéia (325) houvesse afirmado a consubstancialidade (homoousion), a co-naturalidade e a co-eternidade do Pai e do Filho, e o concílio de Constantinopla (381), estendido essa consubstancialidade ao Espírito Santo (CONGAR, 1991, p. 467), quatro principais heresias são novamente enfrentadas em De Trinitate:

1. o triteísmo, que privilegia cada uma das Pessoas divinas as compreendendo como centros independentes de atividade;
2. o modalismo, que considera a multiplicidade das pessoas divinas como três modos de manifestação de Deus, três modos da nossa inteligência se relacionar a Deus;
3. o sabelianismo, que retoma as teses do modalismo e afirma a indiferenciação das três Pessoas: só haveria o Pai; o Filho e o Espírito Santo seriam duas manifestações do Deus único;
4. o arianismo, que afirmava que o Filho havia sido engendrado pelo Pai. Somente o Pai é Deus, sendo o Filho uma criatura, a primeira das criaturas superior a todas as outras, mas criatura (25) ;

Segundo Booth (1978, p.184), outro problema era a doutrina das hipóstases do neoplatonismo (26) , pois os arianos se apropriaram de parte dessa doutrina e Agostinho via nisso a possibilidade de uma grande reação pagã contra as Igrejas cristãs (27) . Se os hereges se apropriavam e remodelavam o pensamento filosófico à disposição, o enfrentamento das inflexões acerca da Trindade pressupõe, no pensamento agostiniano, o diálogo entre fé e razão: “Que essa seja a Trindade, devemos demonstrar agora, não só para os que crêem apoiados na autoridade da Escritura divina, mas também para os homens dotados de entendimento, apoiados em argumentos de razão, isso se pudermos” (De Trin. XV, i, 1).

2.1 O diálogo entre fé e razão como pressuposto interpretativo

No início do livro I do De Trinitate, Agostinho afirma que: “… nosso escrito está vigilante contra as calúnias daqueles adversários que, desprezando os princípios da fé, se deixam enganar por um imaturo e perverso amor à razão” (De Trin. I, i, 1). 

Chega a identificar três grupos de indivíduos que são levados pelo desprezo da fé, a modos incorretos de buscar a Deus: a) os que aplicam às coisas incorpóreas noções adquiridas sobre coisas corpóreas, atribuindo acidentes a Deus como se ele fosse um corpo; b) os que se apóiam na natureza da alma humana para pensar Deus, o pensando de maneira antropomórfica; c) os que elaboram opiniões sem se apoiar nas criaturas nem em Deus. Estes comportam, segundo Agostinho, duas atitudes intoleráveis no erro humano: a presunção e a obstinação no erro, fruto dela (28) . Ora, aquele que busca compreender algo acerca de Deus deve, primeiramente, reconhecer as dificuldades:

Começo agora a falar de coisas que não podem ser expressas nem cogitadas por homem algum, nem certamente por nós mesmos, pois nosso cogitar, quando cogitamos acerca de Deus Trindade, sente-se distanciado daquele em quem cogita, nem compreenda tal como ele é, senão que, tal como o apóstolo Paulo, o vê, segundo está escrito, em espelho e em enigma… (De Trin. V, i, 1)

Santo Agostinho afirma que o homem deve buscar a Deus pela inteligência, mas deve também saber que Ele supera todo pensamento humano: “…de quem sempre devemos cogitar e de quem não podemos cogitar dignamente”. Insuficiente é também a linguagem humana, pois ela não pode expressar o mistério inefável: “…a quem a todo tempo devemos render louvor o bendizendo, sem que haja palavra alguma capaz de dá-lo a conhecer”. É preciso, portanto, uma vontade consciente de suas limitações: “Tenho seguramente na lembrança não só minha vontade, mas também minha fraqueza” (29) .

A situação do homem é paradoxal: ele deve falar de Deus (30) , mas, a rigor, não pode: “Pois, como poderá o homem compreender com sua inteligência a Deus, se ainda não compreende sua inteligência, com a qual quer compreendê-lo?” (De Trin. V, 1, 2).

A consciência da limitação da inteligência e da linguagem humana diante do inefável mistério trinitário, se une à necessidade humana de não guardar silêncio acerca de Deus, pois o homem quer louvá-lo (31) e, no fundo, “o homem deve ser inteligente para buscar a Deus” (Conf. XV, ii, 2). Aqueles que se deixam enganar por um perverso amor à razão perscrutam o mistério de maneira presunçosa. Não entendem que Deus resiste aos soberbos. O que se busca, na investigação acerca de Deus é, paradoxalmente, compreender o incompreensível. E o modo de se buscar compreender o incompreensível é também paradoxal: “Procuremos como se houvéssemos de encontrar, e encontremos como quem ainda há de procurar” (Conf. IX, i, 1). Aquele que busca Deus deve saber que Ele é buscado para ser encontrado, e encontrado para ser buscado com mais ardor (32). Por isso, a investigação acerca de Deus deve ser piedosa: “Quem desse modo cogita acerca de Deus, embora não chegue a conhecer o que ele é, evita, sem embargo, como piedosa diligência e quanto lhe é possível, sentir dele o que ele não é” (Conf. V, 1, 2).

Não se trata aqui de uma teologia negativa ou, antes, “trata-se de uma teologia negativa distinta da oriental, pois Agostinho não exclui, mas cede lugar à tentativa de dizer algo do que Deus é” (SOUZA NETO, 1993, p. 42). O núcleo dessa teologia é a missão reveladora do Verbo encarnado (33) : é o Filho, consubstancial e coeterno ao Pai, que garante ao homem o conhecimento da Trindade. A exegese agostiniana sobre o duplo nome de Deus em Êxodo permite uma melhor compreensão. 

Segundo Agostinho, há nas Escrituras dois nomes divinos (34) . O primeiro nome, nomen incommutabilitatis, revela a transcendência de Deus, revela que Ele é o verdadeiro Ser: “Eu sou o Eu sou… O que É mandou-me até vós” (Ex. 3, 14)  35. O segundo nome, nomen misericordiae (Sermones VII, 7) revela que Deus é também presença: “Eu sou o Deus de Abraão, e o Deus de Isaac, e o Deus de Jacó” (Ex 3, 15) 36. Se o primeiro nome mostra o abismo entre Deus e o homem, o segundo nome possibilita um reencontro entre ambos. Deus se chama a si mesmo por outro nome que o de Ser, de um nome acessível a todos, de um nome de misericórdia que suprime o abismo (37). É Deus mesmo quem suprime a distância e faz entender que Ele “não está longe de nós”, como diz o Apóstolo. E acrescenta: “Nele vivemos, nos movemos e somos” (De Trinitate XIV, xii, 16). 

Portanto, a exegese agostiniana do duplo nome divino garante a um só tempo a compreensão da Transcendência e da Presença de Deus, e a construção de uma teologia que guarda a infinidade divina sem esquecer-se de sua presença atenta e misericordiosa na criação e na história. Assim, “um tratado De Trinitate não é outra coisa que um tratado Do Ser […] o problema do ser posto à luz das Escrituras” (CARON, 2004, p. 25) 38.

A partir disso, Agostinho empreende a tarefa de mostrar que Deus é Uni Trino, apresentando um programa a ser seguido:

Pelo que, com a ajuda do Senhor nosso Deus, atendendo os pedidos dos daqueles já referidos tentarei, quanto possível, dar razão de que a Trindade é um só e verdadeiro Deus, e quão retamente se diz, se crê e se entende que o Pai, o Filho e o Espírito Santo possuem uma só e mesma substância ou essência (De Trinitate I, ii, 4, grifos meus).

As palavras dicatur, credatur e intelligatur designam seu programa: recolher o que diz a Escritura, se assegurar de seu sentido pela verdade da fé, e buscar entender aquilo em que se crê. 

Com efeito, enfrentar aqueles que desprezam os princípios da fé não significa opor fé e razão, senão, ao contrário, instaurar o diálogo entre ambos. Dizer, crer e entender designa o programa agostiniano de um intellectus fidei. Por isso, o apoio nas Escrituras e na tradição, mas também nas coisas criadas – já que por meio delas conhecemos quem as criou:

…tornou-se ele inteligível, desde a criação do mundo, através das criaturas (Rm 1, 20). Por isso, o livro da Sabedoria repreende aqueles que pelos bens visíveis não chegaram a conhecer aquele que é […] porque pela grandeza e formosura da criatura se pode visivelmente chegar ao conhecimento do seu Criador (Sb 13, 1-5) (De Trinitate XV, ii, 3).

Agostinho se inspira no conceito de participação (méthexis) usado por Platão para exprimir a relação entre o sensível e as Idéias (39), conservada na tradição neoplatônica, sobretudo quando Plotino trata do mundo como vestígio (íchnos) do Uno (40) , e reinterpretada agora como Idéias da Inteligência Divina (41) . Se tudo é por participação em Deus, pode-se mostrar a presença de Deus em toda criação (42) e “ascender por degraus, às coisas divinas e sublimes” (De Trinitate I, i, 2). 

Dessa maneira, fé e razão se unem na busca: “A fé busca, o entendimento encontra; por isso diz o profeta: se não crerdes, não entendereis (Is 7, 9). Por outro lado, o entendimento prossegue buscando Aquele que a fé encontrou…” (De Trin. XV, ii, 2). 

A fé busca para que o entendimento encontre. Do ponto de vista inquiridor, a necessidade da fé se dá pelo fato dela colocar o que deve ser buscado pela razão. A razão, entregue a si mesma, corre o risco de paralisar-se diante das inúmeras possibilidades. Pela fé a razão sabe, ao menos, o que procura. Isso significa que em Agostinho, “a fé não é fiadora de asserções dogmáticas que pretendem encerrar problemas, mas, antes, fiadora da busca incessante” (NOVAES, 1993, p. 44). Em outras palavras, a fé garante que a procura não seja errática: “Se não crerdes, não entendereis” (Is 7, 9). 

Assim, “é a certeza da fé que, de certa maneira, está na origem do conhecimento” (De Trin.., IX, i, 1), pois “ninguém pode amar algo totalmente desconhecido” (De Trin. X, i, 1), só buscando o que de alguma maneira já se conhece. Por isso, a busca do Deus Uni Trino é apoiada pela fé.

Contudo, caminhamos pela fé, não pela visão (2Cor 5, 7), ainda não vemos a Deus, como disse o mesmo Apóstolo, face a face (1Cor 13, 12); se não o amarmos agora, nunca o veremos. Mas quem ama o que ignora? Algo pode ser conhecido e não ser amado; mas é possível ser amado o que é desconhecido? […] Ninguém é capaz de amar a Deus, antes de o conhecer” (De Trin. VIII, iv, 6). 

“Entretanto, deve-se cuidar de que a alma ao crer no que não vê, não imagine coisas irreais, e dê um falso objeto à sua esperança e a seu amor” (De Trin. VIII, iv, 6). Agostinho adverte aqui para o cuidado de não se recorrer a fictitio, isto é, a fé deve cumprir a condição de não ser falsa. É, portanto, a fé instruída pela autoridade (Escrituras) que coloca o que deve ser buscado pela razão. Ela não é uma proibição à razão de tentar alcançar algo que nunca alcançará, mas a garantia de uma busca aprofundante – e não errática – de algo que ultrapassa a própria razão, mas não a nega. E assim, permitir a razão penetrar, dentro de seus limites, o mistério insondável.

2.2 A data de composição do De Trinitate

Ao abrir o De Trinitate, o leitor depara com uma carta de Agostinho enviada ao bispo Aurélio, datada de 416, em que é relatado o surpreendente episódio do furto de seus livros: “Cessei minha obra ao comprovar que haviam sido furtados meus livros antes de finalizá-los e retratá-los, como era minha disposição” (Epístola CLXXIV). Conforme Retractationes, o furto aconteceu após o término do esboço dos livros Iº ao XIIº: “Mas sem completar ainda o duodécimo livro […] me foram furtados…” (Retract. II, xv, 1). 

Agostinho soube do furto porque a obra incompleta chegou às suas mãos (43) . Conta também que havia desistido de continuá-la, preferindo relatar o ocorrido em algum opúsculo posterior; só não o fez, por causa da insistência dos pedidos dos irmãos (fratibus) 44 .

A partir desse episódio, estabelecer de maneira precisa o momento da composição do De Trinitate, depois de revisado por Agostinho, é tarefa difícil. As opiniões entre as edições que utilizamos divergem. Segundo a edição bilíngüe publicada pela Biblioteca de Autores Cristianos (BAC), a obra é composta em 400 e terminada em 416 (45) ; Já a edição bilíngüe da Bibliothéque Augustinienne (BA) sugere a composição de 398 a 426 (46) , enquanto a edição brasileira da Paulus sugere o início em 399 e o término em 419 (47).

Também é o caso dos comentadores: Trapé (apud TEIXEIRA, 2003, p. 30), propõe o início da redação dos livros I-XII por volta de 399 e o término de toda a obra (I-XV) em aproximadamente 420-426; Caron (2004, p. 25) coincide com a data proposta pela BA; Brown (2005, p. 226) sugere o início em 399, a publicação das obras furtadas em 414 e a publicação corrigida por Agostinho, em 419; Mandouze (1968, p. 157) propõe o início em 404 e o término entre 420/426.

O certo é que a obra exigiu vários anos: “Jovem dei início a elaboração destes meus livros acerca da Trindade, que é Deus sumo e verdadeiro, e velho os edito” (Epistola CLXXIV). 

A Carta CLXIX, datada de 415, permite entrever o De Trinitate ainda sendo redigido por Agostinho: “Neste momento, nem sequer quero continuar os livros acerca da Trindade que há tempo trago nas mãos e que ainda não concluí (Epistola CLXIX, i, 1). E a Carta CLXXIV é explícita sobre uma primeira edição antes de 416 e a publicação corrigida, completada e editada, feita pelo próprio Agostinho, após essa data.

O fato é que, se a redação se estende até 419, 420 ou 426 – conforme alguns comentadores -, poderíamos supor a publicação de edições do De Trinitate revisadas pelo próprio Agostinho (48) . A data do início da redação (399) parece mais segura, pois coincidiria com o livro XIII das Confissões, em que Agostinho acena a uma explicação psicológica da Trindade (49) .

Ainda que não haja um consenso acerca da data precisa da redação e publicação do De Trinitate, partindo das posições relacionadas acima e do fato de que a obra foi completada em dois momentos (livros I-XII e XII-XV), adotaremos o seguinte: o início da redação teria ocorrido em 399/400; a publicação dos livros furtados em 414; publicações corrigidas e completadas por Agostinho, a partir de 416 até 426. Portanto, podemos dizer que o De Trinitate foi escrito entre os anos de 399 a 426.

3. A vida de Agostinho no período de composição do De Trinitate

Outro episódio surpreendente na vida de Agostinho é narrado por seu biógrafo e amigo Possídio:

Nesse tempo, havia um funcionário público desses que chamam agentes de negócios, estabelecido em Hipona, bom cristão e temeroso de Deus, a quem havia chegado a boa fama e a doutrina de Agostinho, vindo-lhe o desejo de conhecê-lo e vê-lo, prometendo abandonar todos os desejos mundanos, se alguma vez tivesse a felicidade de ouvir de seus lábios a palavra de Deus (uita Augustini III).

Agostinho decide ir até Hipona para converter o “agente de negócio” e trazê-lo ao seu mosteiro em Tagaste, pois em Hipona não tinha o que temer:

Eu tinha tanto medo do ofício de bispo que, tão logo minha reputação veio a ter algum peso entre os servos de Deus, recusava-me a ir a qualquer lugar em que soubesse não haver bispo. Precavia-me contra isto: fazia todo o possível para buscar a salvação numa posição humilde, em vez de correr o perigo dos altos cargos. Mas, como afirmei, um escravo não pode contradizer seu Senhor. Cheguei a esta cidade para visitar um amigo a quem julgava poder conquistar para Deus, a fim de que ele pudesse viver conosco no mosteiro. Sentia-me seguro, pois já havia um bispo no local. (Sermo 335, 2).

Entretanto, Possídio conta que Agostinho foi surpreendido:

“Então regia a igreja católica de Hipona o santo bispo Valério que, movido pela necessidade de sua igreja, falou e exortou aos fiéis para a provisão e ordenação de um sacerdote idôneo para a cidade do povo de Deus; os católicos, que já conheciam o gênero de vida e a doutrina de Santo Agostinho, arrastaram-lhe, porque se achava em meio à multidão, sem prever o que podia acontecer – pois, como nos dizia ele mesmo quando laico, evitava as igrejas que não tinham bispo -, o apressaram e, como ocorre em tais casos, o apresentaram a Valério para que o ordenasse, segundo exigiam o clamor unânime e os desejos de todos, embora ele chorasse copiosamente” (uita Augustini IV).

Agostinho confirma o abrupto do ocorrido: “Fui agarrado. Ordenaram-me presbítero…” (Sermo 335, 2). 

Segundo Brown (2005, p. 171), “esse era um tipo de incidente comum no baixo Império Romano”. Quanto às necessidades da igreja de Valério, ele era “grego de origem e pouco perito em língua e literatura latinas, e era pouco apto para este fim” (uita Augustini V). Sua igreja “precisava desesperadamente de uma voz”, pois além da igreja rival donatista – que gozava do reconhecimento das autoridades locais – os maniqueístas haviam se instalado na periferia da congregação, tendo Fortunato como presbítero, a quem Agostinho conhecera em Cartago (BROWN, 2005, p. 172).

Agostinho foi ordenado sacerdote em janeiro de 391, “fundou um mosteiro ao lado da igreja…” (uita Augustini V), conhecido como o mosteiro do jardim. Além disso, fazia pregações – o que infringia um costume tradicional das Igrejas da África – pois somente o bispo devia expor às Escrituras (50) . Também derrotou, num debate público, o maniqueísta Fortunato (51). 

Em 393, participou do Sínodo plenário dos bispos da África, “realizado em Hipona, quebrando a tradição de que padres não participavam desses eventos (NUNES COSTA, 1999, p. 126) 52 . Temeroso de perder Agostinho para outra diocese, Valério escreve ao Primaz de Cartago, alegando que se encontrava em avançada idade, rogando para que ele fosse nomeado seu bispo auxiliar. Em junho de 395, é sagrado bispo coadjutor. Em 396, com a morte de Valério, Agostinho se torna bispo titular de Hipona (53).

Hipona, chamada de Hippo Regius pelos latinos, era uma comunidade de algumas famílias abastadas, homens de negócios e patrícios. Conforme Hamman (1989, p. 155): “A grande massa, porém, reunia marinheiros e pescadores, soldados e comerciantes, artesãos e funcionários, ascetas e religiosos”. A maioria dos fiéis da comunidade de Agostinho era composta de analfabetos e também de muitos interesseiros: mudavam de igreja conforme alguma vantagem que vislumbrassem. Como os donatistas eram maioria e sua relação com os católicos era de rivalidade (54) , ameaçavam seguir a igreja que mais lhes agradasse. 

Em 399, data do início da redação do De Trinitate, Agostinho já exercia todas as funções de bispo: atividades pastorais, proteger a comunidade com sua influência política, visitar prisioneiros, intervir em execuções e, também, servir de árbitro em processos judiciais. Segundo Trapè (2002), as atividades pastorais visavam:

1. Igreja de Hipona: a pregação (duas vezes por semana – sábado e domingo – às vezes por mais dias consecutivos ou ainda duas vezes ao dia), a audientia episcopalis, que ocupava também o dia todo, o cuidado com os pobres e os órfãos, a formação do clero, a organização dos mosteiros masculinos e femininos; a administração dos bens eclesiásticos de que não gostava, mas tolerava, a visita aos enfermos;
2. Igreja Africana: participação nos concílios programados anualmente, freqüentes viagens para responder ao convite dos colegas ou para atender às necessidades eclesiásticas;
3. Igreja Universal: controvérsias dogmáticas, resposta a muitas interpelações, livros e livros sobre as mais variadas questões que lhe eram propostas e impostas.

As funções diversas faziam com que Agostinho chamasse sua vida de “fardo episcopal” (MANDOUZE, 1968, p. 143). Mas era da rotina da arbitragem de processos judiciais “de que ele se ressentia mais amargamente” (BROWN, 2005, p. 237). É que esses processos mantinham-no ocupado toda manhã e, por vezes, tardes inteiras. Além disso, freqüentemente tratava-se de questões pouco relevantes:

O bispo exerce a justiça também em questões profanas: heranças, tutelas, direito à sucessão, propriedade e demarcação. Questões embrulhadas muitas vezes à toa, em que se enfrentam as paixões, especialmente quando se trata de testamento ou herança: raramente dois irmãos estão de acordo quanto às propriedades. Mas freqüentemente trata-se de questões sem importância: muros de separação entre duas propriedades, uma janela a ser aberta ou uma construção muito alta, que priva o vizinho de luz (HAMMAN, 1989, p. 216).

Nos dias comuns, em que não concedia audiência, Agostinho era assediado por visitantes: pedintes, hóspedes, pobres etc. “É considerado como um homem que tem resposta para qualquer necessidade, que mantém suas portas sempre abertas e que permite a qualquer um que vá encontrá-lo e incomodá-lo” (HAMMAN, 1989, p. 217). Isso sem contar o cuidado com o mosteiro, o atendimento das correspondências que lhe chegavam de toda parte, e os pedidos para que escrevesse ou terminasse suas obras. E há, ainda, as viagens, as pregações fora de Hipona, as conferências e concílios, sobretudo, durante as controvérsias com o donatismo. 

O admirável é que, apesar disso, Agostinho, “no período de 395 a 410 escreveu cerca de 33 livros e cartas extensas” (BROWN, 2005 p. 344). Como podia produzir tanto? É que sua rotina se estendia noite adentro, como observa Mandouze (1968) p. 156:

…la série de ce qu’Augustin apelle des negotia, des occupationes ou des necessitates rendrait inexplicable l’élaboration des grandes oeuvres augustiniennes s’il n’y avait les ressources exténuantes des lucubrationes au cours de longues nuits où le temps est moins morcelé.

Ao anoitecer, após a ceia com os irmãos, Agostinho retoma a redação de seus livros, corrige algum capítulo, recoloca questões etc. 

Conclusão

Neste trabalho, pretendíamos contar a história dos detalhes de uma construção intelectual notável: o De Trinitate, de Agostinho de Hipona. Gostaríamos de encerrar com um detalhe breve, é verdade, porém inspirador: Agostinho teria escrito seu monumento dia após dia – por mais de vinte anos -, após o cumprimento das funções episcopais, cercado pelo silêncio e pela tranqüilidade, em vigília noturna (55) . Tais algumas das circunstâncias que se ocultam atrás das letras.

1 Mestre em Filosofia pela PUC-SP. Atualmente é Coordenador do Curso de Filosofia da Faculdade Arautos do Evangelho.
2 Em latim, temos duas palavras procedentes de duas raízes distintas: felicitas e beatitudo. Felicitas vem do adjetivo felix, que quer dizer fértil, frutífero, fecundo […] felicitas, o substantivo derivado de felix, é primariamente fecundidade, fertilidade, e daí derivam os outros sentidos: o que promete ou augura fecundidade, e também fortuna, prosperidade […] Beatitudo é uma criação de Cícero, derivada do verbo beo, beare, beatum, que significa cumular, encher; não deixar que falte nada, e por derivação fazer feliz. O adjetivo beatus a rigor não é um adjetivo e sim um particípio ou supino do verbo que poderíamos traduzir barbaramente como bear; é o resultado da ação do beare, de cumular ou encher, e significa, portanto, o cumulado, o cheio […] Felicitas, diz Cícero, é a prosperidade das coisas honestas, honradas, decentes […] O conceito de beatus ou beatitudo adquire em Cícero, em algumas passagens, um sentido algo distinto […] segregados ou eliminados todos os males, conjunto acumulado de bens. Há, portanto, um elemento de separação ou eliminação do mal. No conceito de felicidade (felicitas) o importante é a fecundidade, fertilidade, prosperidade; quando vai definir a beatitude, dirá que é um conjunto ou complexo acumulado de bens, eliminados todos so males” (MARÍAS, 1989, p 96-97). Mas é preciso considerar também o sentido bíblico das bem-aventuranças do sermão da montanha. Assim, beatitude assume, para Agostinho, um sentido de futuro, já que nesta vida não há beatitude completa, como se verá adiante.
3 Conforme Holte, opus citatum, a tradução literal de finis boni seria bem final, mas pode-se traduzir também como bem supremo.
4 “beatos esse nos uolumus
5 “Omnes beati esse uultis, miseri esse non uultis”.
6 Segundo Agostinho, Varrão ensinava que as escolas filosóficas se dividiam conforme os bens que procuravam: seja da alma, do corpo, ou de ambos. E ele chega, com essa divisão, a identificar 288 doutrinas possíveis sobre o finis boni. Ver De ciu. Dei XIX, i, 2. Gilson (1987, p. 150) precisa que a obra em que Varrão ensina isso se intitulava De philosophia, hoje perdida. Ver também De Trin. XIII, iv-v, em que a opinião de Varrão é usada, mas Agostinho não o cita.
7 Conforme GILSON (1987, p. 01; p. 149) e HOLTE (1962, p. 09-70). Ver também CATAPANO (2000, p. 181-190).
8. COURCELLE (1950) p. 57-58: “…l’Hortensius est une exhortation à la vraie philosophie. Le dialogue, tel qu’on peut le reconstituer d’après les fragments conservés, commençait par une justification de différentes disciplines; puis s’engageait une controverse entre Hortensius, ennemi de la philosophie, à laquelle il reprochait sa méthode dialectique, son origine tardive et ses représentants indignes. Cicéron ripostait par une apologie de la vraie philosophie: elle seule conduit les hommes à la vie heureuse, qui est la fin de tous leurs efforts; à cet effet, elle enseigne le mé pris des bien sensuels et le culte desvertus; cette vie heureuse est la vie divine, qui contient tout sagesse. L’ouvrage se terminait sur un éloge de la philosophie et une invitation pressante à s’engager à son service”.
9. Ibidem, 8: “Amor autem sapientiae nomen graecum habet philosophiam, quo me accendebant illae litterae”.
10. Ibidem, 8.
11. De beata uita II, 11.
12. Gilson (1987) p. 03.
13. De beata uita IV, 32: “sapientia igitur plenitudo”.
14. De beata uita II, 11. Em Retractationes I, i, 2, Agostinho corrige o traço neoplatônico da concepção da beatitude em De beata uita, que atribuía primazia excessiva à alma em detrimento do corpo. Ver Vaz (1999, p. 189).
15. De Trin. XIII, viii, 11.
16. De Trin. XIII, iv, 7.
17. De Trin. XIII, vii, 10.
18. De Trin. XIII, vi, 9.
19. Sobre a evolução do conceito de beatitude em Agostinho ver HOLTE (1962) p. 194-206.
20. COURCELLE (1950). Acerca da fonte do pensamento de Agostinho em seus primeiros escritos, havia quase um consenso de que se tratava de Plotino e Porfírio, em primeiro plano. Mas Courcelle lançou novas luzes ao realizar um estudo histórico-crítico sobre o ambiente cristão de Milão ou o neoplatonismo cristão milanês freqüentado por Agostinho, que ficou conhecido como o círculo de Milão. O círculo de Milão era composto por intelectuais cristãos que se dedicavam não só a conhecer a doutrina neoplatônica, mas a realizar uma síntese crítica entre neoplatonismo e fé cristã. Ver CIPRIANI (1997) p. 268-286.
21. De beata uita IV, 33.
22. A imagem do sol – que remonta a Platão – é interiorizada por Agostinho. Deus é, agora, luz interior. “A luz interior é aquela que brilha em nossa presença para nós; é aquela inseparável do fato de sermos criaturas com um ponto de vista de primeira pessoa. O que a diferencia da luz exterior é exatamente o que torna a imagem da interioridade tão fascinante: ela ilumina aquele espaço onde estou presente para mim” (TAYLOR, 1997, p. 174).
23. Sobre as críticas de Du Roy a essa interpretação, ver Cipriani (1997, p. 271-281). A propósito da influência de Ambrósio e Vitorino em De beata uita, ver Cipriani (opus citatum).
24. Para Teixeira (2003, p. 32-33), as questões teológicas principais enfrentadas por Agostinho são especialmente três: 1) “a primeira diz respeito à raiz mesma do mistério, ou seja: porque ao confessar que na Trindade o Pai é Deus, o Filho é Deus e o Espírito Santo é Deus, não podemos dizer que são três deuses, mas um só, único e verdadeiro Deus? 2) a segunda pergunta trata das operações ad extra. Se as operações ad extra do Pai, do Filho e do Espírito Santo são inseparabiliter às três Pessoas divinas, como dizemos que apenas o Filho se encarnou? Por que somente se ouve a voz do Pai? Por que somente o Espírito Santo aparece como pomba? 3) a terceira interrogação diz respeito ao Espírito Santo. Quais são na Trindade as propriedades pessoais do Espírito Santo? Por que o Espírito Santo que procede do Pai e do Filho procede como expiração e não é engendrado por eles?”.
25. Caron (2004) p. 36-37.
26. “It is possible to read every page of the De Trinitate VIII onwards as if neo-Planist thought were in his mind and as if he were deliberately and critically restructuring on the self-knowing and self-loving of nous and the One as the basic metaphysical structure of the individual human mind”.
27. Booth (1978) p. 183: “The arrival in North Africa of the devout neo-Platonist minded pagans presented a potentially greater problem than could be faced up to in earnest argument with them in the salons of Carthage […] The enthusiasm with which some had embraced the half-way position of Arianism was threatening”.
28. De Trinitate II, proemium, 1.
29. De Trinitate XV, ii, 2.
30. Confissões I, i, 1: “Tu excitas, ut laudare te delectet” [Tu o (o homem) incitas para que sinta prazer em louvar-te]”. NOVAES (1993) p. 15: “…o paradoxo é ainda maior se tal esforço de louvor, esforço de dizer o divino com palavras humanas, não resulta de uma presunção do homem, mas sim de um comando de Deus: é o Deus transcendente quem exige o louvor”.
31. Conf. I, i, 1: “Et tamen laudare te uult homo aliqua portio creaturae tuae [Contudo, quer louvar-te o homem, pequena parte de tua criação]”.
32. De Trinitate XV, ii, 2: [Aqueles que me comem, terão mais fome; aqueles que me bebem, terão ainda mais sede (Eclo 24, 29). Comem e bebem, porque encontram; e porque sentem fome e sede, procuram ainda]”.
33. De Trinitate IV, xix, 25.
34. “Com efeito, não é Deus que se duplica; é o modo humano de compreendê-lo que tem de ser múltiplo para realizar um exercício de aproximação” (NOVAES, 1993, p. 37).
35. “Ego sum qui sum… Qui est misit me ad uos”. Seguimos a tradução proposta por Novaes (1993, p. 20).
36. “Deus Abraham, et Deus Isaac, et Deus Iacob”. Segundo Novaes (1993, p. 25), “se passamos, com efeito, ao segundo nome de Deus expresso no terceiro capítulo do Êxodo, v. 15, vamos encontrar a abertura para outra teologia (como discurso sobre a natureza de Deus), agora distinta da herança platônica, teologia apoiada e exigida pelo cristianismo, tal como entendido por Agostinho. O cristianismo exigiu uma consideração de Deus diversa da consideração platônica [e neo-platônica] […] A atribuição de dois nomes a Deus tem a importância de não restringir a teologia à descrição da distância entre o transcendente e o mundo, direção cujo desdobramento pode ser uma teologia apofática: o segundo nome, o Deus de misericórdia, completa o primeiro para lhe modificar a orientação. O que quer dizer isso? Modificar não resulta em enfraquecer. O Deus de misericórdia não é o Deus dos crédulos, das Mônicas, daqueles que não têm acesso às sutilezas da filosofia. Trata-se, na verdade, de não deixar a filosofia-teologia aprisionar em mera especulação”. Sobre as implicações cristológicas dos dois nomes vide Dubarle (1986, p. 196-211).
37. Dubarle, 1986, p. 194.
38. “…un De Trinitate n’est rien d’autre qu’un traité De l’être […] Le problème de l’être posé à la lumière des Écritures…”.
39. Fédon 100 d 5-6; Parm. 131 a 5 – 135 c 7.
40. Enn. VI, 4, 1; Enn. V, 5, 5.
41. De octoginta tribus quaestionibus, q. XLVI.
42. De Trinitate XV, iii, 5.
43. Retract. II, xv, 1.
44. Epistola CLXXIV.
45. “…tenemos un intervalo de tiempo que corre desde el 400 hasta el 416”.
46. “Quand Augustin entreprend la rédaction du De Trinitate (dès 398, semble-t-il, et jusqu’en 426, soit quatre ans avant sa morte)…”.
47. Oliveira (1994) p. 561, n. 2.
48. Segundo TEIXEIRA (2003, p. 30), a última edição do De Trinitate oscila entre 420-426. 
49. Teixeira (Ibidem).
50. Ibidem.
51. Ibid., VI. Segundo Mandouze (1968) p. 147: “Le débat ressemble beaucoup plus à un spectacle, à un tournoi ou à quelque championnat sportif qu’à une discussion théologique de type classique”.
52. O discurso de Agostinho no Sínodo foi pronunciado em 8 de outubro de 393 e em suas obras é intitulado De fide et symbolo.
53. Trapè (2002): “Para completar sua formação teológica, que reconhecia imperfeita, mergulhou no estudo das Escrituras e dos Padres. Enfrentou o problema da credibilidade da fé católica (De utilitate credendi) […] ocupou-se da moral e da espiritualidade bíblica (De serm. Domini) e também, com pouco êxito, da soteriologia paulina (Exp. ep. ad Gal.; Inchoata exp. ep. ad Rom.) e do Gênesis (De Gen. ad litt. lib. imperf.). Ao mesmo tempo, continuou a controvérsia maniquéia com a disputa com Fortunato (Acta contra Fortun. Man.) e as duas obras: De duadus an. e o Contra Adimantum Man.; e começou a donatista com um canto popular (Ps. contra partem Donati) e uma obra perdida: Contra ep. Donati)”.
54. Hamman (1989) p. 158: “A divisão exprimia-se em celebrações paralelas, rivais e, por vezes, até hostis. Em Hipona, as duas basílicas, a católica e a donatista, estavam tão próximas uma da outra que era fácil, nas mesmas horas, ouvir os cantos e os clamores sagrados da igreja vizinha”.
55. Mandouze, 1968, p. 156.

Referências Bibliográficas

Obras de Santo Agostinho

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. De la vida feliz. In: Obras Completas Tomo III. Madrid: La Editorial Catolica, 1957.
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Obras de apoio

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AVGVSTINVS XL – 156-159. Madrid: Enero-Diciembre, 1995, p. 215-224.
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Religião e Moral

Benedito Beni dos Santos (1)

Resumo

Este artigo pretende oferecer alguns esclarecimentos sobre os termos moral e ética, ressaltando a importância da moral e analisando as causas da desorientação em seu âmbito. Trata-se de uma perspectiva cristã da moral, apontando a mística como a fonte mais alta de uma moral universal, a moral da vida.

Abstract

This article intends to offer some clarifications on the terms moral and ethics, emphasizing the importance of moral and analyzing the causes of disorientation in the moral ambit. It treats of the Christian perspective of moral, identifying mysticism as the highest source of a universal moral, the moral of life.

Antes de tudo, dois esclarecimentos sobre o tema dessa reflexão: religião e moral. Toda religião implica uma moral, ou seja, uma reta conduta. Com a reta conduta, o crente procura fazer a vontade de Deus, agradar-lhe. Os profetas do Antigo Testamento consideram a prática da justiça como culto prestado a Deus. De outro lado, toda religião apresenta sempre uma visão geral do mundo, que permite à pessoa situar-se na realidade e atuar sobre ela. Não vou tratar da relação da religião em geral e a moral. Tratarei de uma forma determinada de religião: o cristianismo enquanto assumido e vivido pela Igreja Católica.

O outro esclarecimento refere-se aos termos ética e moral. Na prática, são equivalentes. Teoricamente, porém, são distintos. A moral é uma atividade prática. Designa o conjunto de normas referentes à reta conduta humana, ou seja, o bem a ser feito e o mal a ser evitado. A ética, por sua vez, é a teoria da moral, o modo de conceber a moral: a sua origem, a sua natureza, os seus objetivos. A moral é prescritiva: refere-se ao dever. A ética é descritiva. Ela não emite, como a moral, juízo de valor, mas juízo de realidade.

Vou desenvolver a presente reflexão em cinco pontos: o que é a moral, sua importância, a desorientação hoje existente no campo da moral, como a Igreja concebe a moral e a originalidade da moral cristã.

1. O que é a moral?

A moral designa, antes de tudo, aquilo que é objetivamente bom e, portanto, deve ser feito pela pessoa, independentemente das vantagens ou desvantagens que daí possam provir. Sócrates expressou muito bem esse caráter da moral quando disse que prefere ser vítima da injustiça a cometer a injustiça. Quando a pessoa assume essa postura existencial não só os seus atos são bons, mas ela mesma se torna boa moralmente. Torna-se uma boa árvore, que produz sempre bons frutos. Em outras palavras, torna-se uma pessoa virtuosa.

A moral também designa aquilo que é digno do ser humano por oposição ao que é indigno. Ser fiel a um amigo é digno do ser humano. Ser infiel é indigno. Defender a vida de um inocente é digno do ser humano. Tirar a vida a um inocente é indigno.

A moral designa ainda aqueles atos que estão não só de acordo com o dever, mas que são feitos por respeito ao dever, na expressão de Kant. Se um comerciante vende sempre pelo preço justo para não perder a freguesia, ele não coloca um ato moral. Mas, se ele vende pelo preço justo por respeito ao dever (é a sua consciência que exige isso), então o seu ato é moral.

2. Importância da moral

Na sua encíclica sobre os fundamentos da moral – Veritatis Splendor -, João Paulo II afirma que a instância moral atinge em profundidade cada homem e compromete a todos. Reflitamos sobre essa afirmação do Papa. A moral atinge em profundidade o ser humano. Segundo Jean Piaget, “o ser humano não nasce com uma moral, mas com uma aptidão para adquirir a moral”. Assim como não nasce falando uma língua, mas com aptidão para aprender uma língua. Emílio Durkheim, um dos fundadores da sociologia, sobretudo da sociologia da religião e da moral, explica a origem da moral a partir da natureza social do ser humano. Segundo ele, a moral começa onde se inicia a vida em grupo. Não é possível a vida em grupo sem a existência de normas morais. É justamente a moral que impede a tirania do grupo sobre os indivíduos. Para a doutrina da Igreja, porém, o ser humano não só nasce com uma aptidão moral. Existe uma lei moral gravada por Deus no coração humano, conforme ensina São Paulo na Carta aos Romanos (cf. Rm 2,15). A partir desse senso moral fundamental, a razão humana tem a capacidade de descobrir o bem a ser feito e o mal a ser evitado.

Afirma o Papa, que a moral compromete a todos. De fato, o ser humano só age moralmente quando pode fazer de sua ação moral uma proposta para toda a humanidade. Caso contrário, ele está agindo de má fé. Posso mentir? Pergunta alguém. Se fosse possível transformar a mentira numa lei universal, numa proposta para toda a humanidade, então seria permitido mentir. Ora, numa sociedade onde houvesse como norma o dever de mentir, a vida social já não seria possível. Daí a importância do imperativo moral kantiano: proceda segundo uma norma que possa ser erigida em lei universal para a humanidade. Em outras palavras, decidir moralmente é decidir não em nome próprio, mas em nome de toda a humanidade.

Para compreender de modo prático a importância da moral, basta olhar para o mundo político. Todos sentem as conseqüências negativas da falta de ética no campo da política. A política é a arte de promover o bem comum, a vida feliz para todos. Desvinculada da ética, ela se transforma em politicagem, em busca dos próprios interesses, de mordomias. Sem ética, a porta fica escancarada para toda sorte de corrupção.

Para compreender a importância da moral, pode-se ainda voltar o pensamento para a ecologia. Pela própria experiência, descobriu-se que a relação do ser humano com a natureza, com as coisas, não pode basear-se unicamente no utilitarismo; precisa basear-se em normas éticas universais para que o uso da natureza não se transforme em abuso, destruindo, assim, a possibilidade de vida sobretudo para as gerações futuras. Desvinculada da ética, a própria atividade científica começa a causar medo ao ser humano.

3. A desorientação no campo da moral

Existe hoje uma grande desorientação no campo da moral. Na sua raiz, encontra-se o relativismo. O Cardeal Ratzinger, hoje Papa Bento XVI, se referiu, no discurso de abertura do Conclave, à ditadura do relativismo. Parece que a única verdade universal é que tudo é relativo. O relativismo encontrou amplo espaço, sobretudo no campo da moral. Expressão desse relativismo é a assim chamada ética processual. A noção de bem e mal moral é fruto da opinião pública ou de uma decisão majoritária. O que interessa não é o conteúdo objetivo da norma, mas o processo pelo qual algo se torna moral. Aqui o você decide é a opinião majoritária.

Expressão do relativismo moral é a tendência de natureza neo-positivista segundo a qual, no campo do comportamento moral, não é possível fazer enunciados lógicos e universais, como acontece no campo da ciência. O comportamento moral está sempre envolvido por emoções e outras variantes subjetivas. A moral é pois algo subjetivo.

Após a última guerra mundial, desenvolveu-se a chamada ética de situação. A situação é um somatório de fatores subjetivos, sociais, culturais. A cada momento, o ser humano se encontra numa situação diferente. Deve decidir de acordo com a sua situação.

Ora, o relativismo em geral leva a uma visão superficial da realidade. Dispensa o ser humano de pesquisar a verdade. No campo da moral, ele é um obstáculo ao compromisso sério e duradouro.

4. Como a Igreja vê a moral?

A moral cristã não é um conjunto de normas impessoais dependentes do arbítrio de algum indivíduo. Ela é conseqüência de uma ontologia do ser humano, de uma antropologia, isto é, de uma visão do homem. Cito, a título de exemplo, três elementos dessa antropologia. O ser humano é, antes de tudo, uma criatura. Não é criador de se si mesmo. O seu ser é um dom do Criador. Por isso mesmo, o ser humano deve ser entendido sempre por referência ao Criador. Não só o seu ser em geral, mas também a sua autonomia e liberdade devem ser entendidas por referência ao Criador.

Outro elemento significativo: o ser humano é imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1, 26). Possui algo de divino. Tem uma dimensão transcendente. Participa da sabedoria e providência com a qual Deus governa o mundo. Sua razão não é apenas uma faculdade de conhecimento, mas também moral. Possui a capacidade de descobrir o bem a ser feito e o mal a ser evitado. Trata-se de uma participação na ciência divina.

Pertence também à antropologia cristã, a existência de uma natureza humana. Embora o homem, de um lado, não possa ser compreendido fora de sua situação, de outro lado, ele não se reduz à sua situação. Nele existe um núcleo que transcende todas as situações, todas as variáveis subjetivas, sociais e culturais. É a natureza humana. Ela é o pressuposto para falarmos de dignidade humana, de direitos universais da pessoa humana, de direito natural.

5. A originalidade da moral cristã

Recordo apenas alguns elementos. A moral cristã não é uma moral paralela à lei natural. Ela assume a lei natural à luz do seguimento de Jesus Cristo, Caminho, Verdade e Vida. Portanto, tudo aquilo que pertence à lei natural, à moral baseada na razão humana, é assumido pelos cristãos. A fé apenas oferece um motivo a mais para viver de acordo com a lei natural.

Na moral cristã, a noção de mal moral adquire uma profundidade muito grande, expressa pelo vocábulo pecado. Ele não apenas aliena o ser humano com relação a si mesmo e ao próximo, mas também com relação a Deus.

É costume repetir que a moral cristã não é apenas uma moral de atos, mas uma moral da pessoa. E com razão. Para a moral cristã, não basta colocar atos morais. É necessário que a própria pessoa, através da aquisição das virtudes, se torne um ser moral, ou seja, uma pessoa justa, verdadeira, honesta. A árvore boa produz bons frutos. Quem possui as virtudes morais pratica o bem com mais facilidade e de modo constante. Quem não possui as virtudes morais tem dificuldade de praticar o bem. De certo modo, pode praticar o bem acidentalmente.

Finalmente, a moral cristã é a moral da graça. A moral, enquanto conjunto de normas práticas, indica o dever. Não dá força, porém, como observou S.Paulo, para executá-lo. A capacidade de cumprir com o dever, de agir moralmente, provém da ação do Espírito Santo em nós, ou seja, da graça.

Conclusão

Para concluir, quero apontar ainda duas características da concepção que a Igreja tem da moral. Em primeiro lugar, a verdade moral habita no interior do ser humano. Duas coisas escreveu Kant, me causam perplexidade: “sobre mim o céu estrelado e, em mim, a lei moral”. Em segundo lugar, embora a moral tenha diversas fontes, a fonte mais alta da moral, o seu verdadeiro fundamento é Deus. Francesco Alberone, em seu livro traduzido para o português Valores, aponta como fonte mais alta da moral a mística, que consiste na experiência de união amorosa com Deus. A mística tem sido fonte de uma moral universal, moral do amor e da vida. Esta foi a moral de Jesus Cristo e grandes místicos.

1 .Bispo de Lorena, membro da Comissão Episcopal da Doutrina da Fé – CNBB, Supervisor Geral da Formação dos Arautos do Evangelho, e fundador desta revista.

Bibliografia básica

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KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1954. p. 48.
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STONE, I. F. O julgamento de Sócrates. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
XENOFONTE. Ditos e feitos memoráveis de Sócrates. Editora Edipro, 2006.
JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Veritatis Splendor. Disponível em: http://www.vatican.va/edocs/POR0072/_INDEX.HTM . Acessado 20 de abril de 2007.
LIMA, Lauro de Oliveira, A construção do homem segundo Piaget, uma teoria da educação. 3. ed. São Paulo: Editora Summus, 1984.
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DURKHEIM, Emile. Sociologia e Filosofia. Rio de Janeiro: Forense, 1975.
ALBERONI, Francesco. Valores. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.

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A discricionariedade do juiz canônico e a tutela dos direitos do fiel cristão (1)

Piero Amenta (2)

Resumo

Abordando um dos problemas mais centrais do Direito Canônico, o autor expõe uma questão fundamental: se o juiz canônico deve ser um defensor dos direitos da Igreja enquanto sociedade visível, isto é, enquanto Instituição, ou se deve ser um protetor dos fiéis – leigos ou clérigos – tantas vezes julgados por um procedimento jurídico que alguns consideram rígido.

Sob esse prisma, analisa-se o papel do juiz na Igreja. Defendendo os direitos de Deus, ele é, ao mesmo tempo, uma expressão da maternalidade da Igreja, médico e pastor. Daí a imperiosa necessidade de dispor ele de mais discricionaridade do que os juízes do Estado civil.

Abstract

Touching upon one of the most central problems of Canon Law, the author expounds upon a fundamental question: whether the canonical judge should be a defender of the rights of the Church inasmuch as visible society, that is, as Institution, or if he should be a protector of the faithful – lay or clerics – often judged by judicial proceedings which some consider rigid. 

Under this prism, the role of judge in the Church is analyzed. While defending the rights of God, he is at the same time an expression of the maternality of the Church; physician and shepherd. This demands that he exercise even more discretionalism than civil judges. 

1. A identidade do juiz canônico

O Corpo de Cristo glorificado leva ainda os sinais da paixão. Assim, a Igreja, Corpo Místico de Cristo, como o próprio Cristo, continua ao mesmo tempo a ser crucificada e a ressuscitar. Ressuscitar porque já vive a nova vida da graça, crucificada porque ainda é tocada e chagada pelo pecado e pela fragilidade da condição humana.

Um discurso sobre a atividade do juiz canônico não teria sentido se não a partir dessa realidade da fé católica. Um discurso sobre a discricionariedade do juiz na direção e definição do processo no que diz respeito a um fiel cristão não pode prescindir dessa realidade que é comum a todos os homens: a realidade do pecado e da graça.

O juiz canônico – diferentemente do juiz civil – não é um órgão colocado como baluarte dos interesses institucionais, e em última análise, do Estado. Ele é, ao mesmo tempo, tutor de uma dupla ordem de “interesses”: de uma parte, os interesses da comunidade juridicamente organizada, de outra, os interesses da pessoa que, enquanto componente de uma comunidade salvadora, tem restituída sua dignidade de pessoa e de cristão. Porém, essa dualidade de interesses é – olhando bem – apenas aparente, pois, no fundo, os interesses da comunidade jurídica ou da ordenação e salvaguarda dos direitos da pessoa terminam coincidindo, segundo o que dita o cân. 1752 (3) do Codex iuris canonici, que define ser a saúde da alma o fim do ordenamento canônico e, portanto, de toda atividade juridicamente caracterizada na Igreja. É interesse da comunidade eclesial que o mal e o pecado sejam purgados, que sejam restabelecidas as relações de justiça violadas pela perpetração do delito, que uma situação desagradável e de escândalo seja eliminada. Mas é também interesse da mesma comunidade a saúde das almas, e que conseqüentemente o pecado, no caso também delinquens, seja restituído à sua originária dignidade de cristão por meio da purgação do mal e do restabelecimento da justiça violada.

O juiz canônico não é assim apenas um órgão do sistema, mas é ao mesmo tempo pastor e médico, instrumento de salvação e veículo da misericórdia de Deus, além de expressão da maternalidade da Igreja.

Em nível de ordenamento jurídico, essa identidade do juiz canônico encontra sua expressão sobretudo na ligação estreita que há entre a constituição do ofício judiciário e do ofício dos pastores. O juiz é uma expressão institucional do ius nativum da Igreja, de corrigir os fiéis mesmo com sanções penais (cf. CIC, cân. 1311). Ius nativum que é detido primeiramente pelos pastores da Igreja, pelo Pastor Supremo em primeiro lugar, juiz de todos os fiéis (cân. 1404-1405, especialmente, cân.. 1417 e 1442), e daqueles que com Ele detêm o ofício pastoral, os bispos, sobretudo os diocesanos (cân. 1419). Seja aqueles que exercitam o ofício de juiz nomine Romani Pontificis (cân. 1442-1445), seja aqueles que são constituídos juízes por mandato dos bispos (cân. 1420), todos são expressões do potestas regendi dos pastores (cf. cân. 375, § 2) e então, em última análise, do potestas pastoralis. A estreita ligação que existe entre pastores e juízes por estes constituídos certamente faz com que os diletantes do direito do Estado “torçam o nariz”, sobretudo aqueles que consideram ser um dogma absoluto a separação dos poderes.

Não é possível postular na Igreja uma perfeita separação dos poderes (especialmente do poder judiciário), como sucede no Estado de direito. Neste último, a independência dos juízes é garantia de independência do órgão judiciário das possíveis ingerências do poder político, e garantia da igualdade dos cidadãos diante da lei, que está por cima de todos, do primeiro ao último cidadão. Na Igreja, pelo contrário, a estreita conexão que, com o potestas pastoralis do bispo, tem o juiz, está a indicar que ele exercita não um poder que deriva da lei, ainda menos um poder que provém de uma competência no campo jurídico, mas um poder que é o poder de Cristo, transmitido aos apóstolos e aos seus sucessores, os bispos. É este o sentido da expressão que encontramos no cân. 1420, § 2 (4) , que uma interpretação legalística e sem apoio da motivação teológica consideraria simplesmente absurda, como uma ligação de dependência perene entre o poder judiciário e o político, uma porta sempre aberta à possibilidade de condicionamento da obra dos juízes por parte da autoridade “política”. A unidade e a estreita conexão que existe entre o potestas pastoralis e o ofício do juiz canônico não é necessariamente uma garantia escassa de independência dos juízes (5) (se bem que todo sistema humano possua malhas abertas pelas quais é possível que se introduzam comportamentos ilícitos, tentativas de condicionamento e até de corrupção!).

À luz das considerações preliminares, considero que a aequitas canonica, enquanto princípio geral do ordenamento canônico, consista in primis no esforço de o juiz canônico executar um gênero de concordia oppositorum, isto é, executar sempre uma síntese entre o interesse do ordenamento, ou melhor, da comunidade, e o interesse particular do fiel cristão. A aequitas canonica sempre foi um conceito conexo, e com razão, à necessidade de temperar o rigor iuris. Considero todavia que pertença à aequitas também a atividade de síntese entre as finalidades do ordenamento e finalidades comunitárias, de um parte, e os interesses, e ousaria dizer, o destino do fiel de outra parte. A origem dessa reflexão é dada pelo que prescreve o cân. 19, que dita os princípios nos quais o juiz deve inspirar-se na ausência de uma disposição expressa da lei ou de um costume que tenha a força da lei: a necessidade de julgar se conjuga aqui com a necessidade que tem o juiz de adaptar os princípios gerais do ordenamento canônico ao caso particular; um modo, entre outros, para indicar a necessidade que tem o juiz de achar o ponto de encontro, ou de convergência, entre o interesse do ordenamento em resolver a controvérsia, e o direito da pessoa em ver solucionado com eqüidade o próprio caso, sem sujeitar-se aos rigores da lei que muitas vezes não tem em conta (e não pode fazê-lo) todas as circunstâncias particulares da existência humana.

2. A discricionariedade do juiz canônico e o respeito ao princípio de legalidade

É conhecido que a discricionariedade do juiz canônico em matéria penal é muito mais ampla do que nos ordenamentos estatais (6) . Isso corresponde à natureza do ordenamento eclesial e à característica própria do direito canônico, máxime o direito penal canônico, que – à diferença do direito penal estatal – tem como seu próprio fim não apenas a reparação do escândalo e o restabelecimento da justiça, mas também a redenção do delinqüente (7) . É também conhecido como o direito canônico antigo, sobretudo o direito das Decretais, tentou aportar correções ao direito romano clássico que, legalizando o poder discricionário do juiz, corria o risco de deixar sem a devida garantia os réus, e abria o caminho a possíveis abusos de poder por parte do próprio juiz (8) . Nasceu, assim, o princípio da legalidade da pena, que chegou até nós por meio do direito das Decretais, anteriormente presente no código pio-beneditinoe e, atualmente, no código de João Paulo II: “nulla poena sine lege poenali”. O melhor comentário ao princípio da legalidade considero que se encontre no antigo cân. 2220, § 1, que dispunha que o juiz podia comutar somente as penas estabelecidas expressamente pelo Legislador com oportunas normas penais e podia fazê-lo somente com os procedimentos estabelecidos pelo direito (9). A ampla discricionariedade do juiz canônico encontra aqui o primeiro limite no princípio de legalidade. Pelo contrário, na verdade, mais que um só limite, deveríamos dizer que se trata de dois limites, se lemos com atenção a formulação do velho cân. 2220 citado acima. O cânon dizia, primeiramente, que o juiz podia aplicar somente as penas legitime statutas. Está excluída, assim, a arbitrariedade na escolha da pena a impor. De fato, o juiz não é o órgão que cria a lei, mas o que a aplica. Em segundo lugar, aplicação da pena era feita ad normam iuris, isto é, usando o instrumento de procedimento que o código colocava à disposição. Não pode existir nenhuma sentença de condenação do réu que não seja conseqüência de um legítimo processo no qual o juiz verifique de modo objetivo o efetivo cometimento do delito e a responsabilidade subjetiva do próprio réu (10) . Exclui-se qualquer recurso a outros instrumentos que não sejam os que oferece o Legislador. Essa é a garantia da imparcialidade para a igualdade de todos os fiéis diante da lei.

O código de 1983, ainda mais sensível às conquistas no campo dos direitos humanos, baniu propositadamente os procedimentos “alternativos”, sobretudo em matéria penal ou em matéria de restrições dos direitos subjetivos, no passado amplamente utilizados, os quais se prestavam a tantos abusos e a uma interpretação autoritária do direito da Igreja. Vejamos, por exemplo, o processo de privação do ofício ex informata conscientia (11) ou a demissão ex officio (isto é, pela vontade unicamente do superior) do estado religioso e/ou clerical (12) . Hoje, o código estabelece que a irrogação da pena tenha lugar somente após um processo (cân. 1400, 2º e cân. 1342, § 1) e pelo contrário, que as causas penais devem ser necessariamente julgadas por um órgão colegial, reprobata contraria consuetudine (cân. 1425, § 1, 2º).

Concentrando agora nosso discurso no que diz respeito ao princípio de legalidade, digamos logo, como já fizemos alusão acima, que este não se esgota no respeito à norma emanada pelo Legislador na determinação da pena a aplicar, mas vai além; o respeito ao princípio de legalidade é também o respeito dos procedimentos do Legislador estabelecidos na aplicação das penas. E aqui seriam evocadas muitas das normas do código que salvaguardam de uma parte a discricionariedade do juiz, e de outra, o direito do réu a uma autodefesa eficaz. Não temos espaço suficiente para ilustrar a fundo cada uma das normas que dizem respeito a esse dois baluartes do direito penal eclesiástico. Limitamo-nos a observar que, por quanto respeita sobretudo o poder discricionário do juiz, este poder está previsto de modo tanto a salvaguardar a especificidade do direito eclesiástico, direito de redenção, antes que de punição, como a garantir a maior adesão possível ao caso concreto, com todas as variantes que a lei positiva não pode prever. Uma discricionariedade interpretada a partir de um conceito autoritário de direito não apenas é humanamente reprovável, mas também teologicamente errada. Sabe-se o quanto no exercício de todo ofício ou de qualquer atividade que comparta o exercício de um poder sobre outros existe sempre, mais do que em outras atividades humanas, o risco do abuso, muitas vezes perpetrado até de boa fé: é o caso do juiz que pessoalmente considera, numa determinada situação, que o réu deva ser punido com maior severidade; ou o caso no qual o juiz, considerando seu dever frear uma situação de embaraço crescente, aspire a uma punição exemplar e tenda a usar o instrumento do processo não como meio de verificação da verdade, mas como instrumento para confirmar as próprias impressões ou informações que provêm aliunde, ou de uma interpretação “política” da realidade eclesial. O caso de abusos de menores por parte de clérigos poderia ser um exemplo eficaz.

Desse ponto de vista, a flexibilidade do processo canônico – estabelecida para que ele receba maior adesão em cada caso em particular – poderia de modo mais relevante prestar-se a um uso impróprio, se tal flexibilidade não fosse interpretada, como dizíamos, a partir de um conceito teologicamente e teleologicamente correto. Tal risco é sugerido pelo fato de que na Igreja não existe, como nos estados de direito, um código de processo penal. Isso pode constituir um perigo para o juiz, que poderia apropriar-se de espaços de discricionariedade muito amplos, a ponto de distorcer o processo com fins determinados, não obstante o que diz o antigo brocardo: “ne fiat processus ante processum”.

Com o intuito de que tudo o que foi dito não dê a impressão de serem elucubrações pessoais de quem escreve, me seja permitido aludir a alguns fatos concretos: os códigos de processo penal geralmente estabelecem regras precisas para a admissão se provas em juízo e, geralmente, excluem a eficácia em juízo de provas ilícitas (13) . O código canônico, ao contrário, nada ou quase nada estabelece sobre a admissibilidade das provas. Limita-se a predispor uma norma muito ampla (14). Assim, a admissão de perícias que violam a intimidade da pessoa, ou obtidas contra a vontade do réu, ou ainda a obtenção de provas adquiridas com fraude (o subtrair documentos, por exemplo) são todas coisas que podem acontecer dentro de um processo penal canônico, desde que, no entender do juiz, sejam consideradas úteis ao processo. Além disso, as provas recolhidas durante a investigatio previa ao processo penal (cân. 1717 ss.) devem ser necessariamente avaliadas e também debatidas durante a instrução do processo, começando com a contestatio litis. Vale a pena lembrar que, no espírito e na letra do cân. 1513, a contestatio litis visa definir os termos da controvérsia (aqui, as imputações) a partir da partium petitionibus et responsionibus desumpti. Isto quer dizer que a contestatio litis não pode reduzir-se somente à contestação das acusações ao réu, mas é necessário avaliar as razões tomadas como sustentação, ou a contestação de uma ou de outra acusação, que poderia resultar infundada. O contrário seria a desconsoladora confiança nas intuições solitárias de uma pessoa onisciente que tem uma evidente vantagem processual sobre as partes privadas, sobretudo sobre a parte imputada, sem que as suas intuições sejam submetidas a um justo debate, salva a avaliação que faz o próprio Ordinário que promoveu a investigatio (cf. cân. 1719).

Todavia, repetimos, o código canônico admite que tenha lugar, por ocasião da litis contestatio, um certo debate entre as partes (no caso, entre o promotor de justiça, e o réu e seu defensor) e além disso admite, durante a instrução, quando necessária, uma forma do assim chamado “confronto à americana”(15) . Outro caso é o do pedido ou até da imposição de provas, por outro lado inadmissíveis porque violam a intimidade da pessoa, o próprio réu, esquecido o disposto pelo cân. 1526, § 1: Onus probandi incumbit ei qui asserit. Enfim, me seja consentido ilustrar o caso de um colégio julgador que, enquanto constata decadência por prescrição da ação penal (cf. cân. 1492, § 1), chega a uma sentença de condenação; enquanto deveria, já no curso da instrução, declarar a própria incompetência (cân. 1459, § 1 e 1461; cân. 1726) e decretar a dispensa do réu ou, pelo menos, declarar com sentença a impossibilidade de proceder contra o réu. De fato, como também sugere o velho código no cân. 1702, Omnis criminalis actio perimitur […] lapsu temporis utilis ad actionem criminalem proponendam. O código vigente, sob a proteção da doutrina mais autorizada, distingue entre actio criminalis (ad poenam irrogandam vel declarandam) e actio poenalis (ad poenam exequandam) 16 . Decretando assim a decadência da ação criminal por prescrição, o código decreta a improcedência por defeito de legitimação ativa do Promotor Iustitiae (quia lex perimit, extinguit ius accusandi) 17 , por defeito de legitimação passiva do réu e por incompetência do juiz (ad impediendam istantiae introductionem aut prosecutionem) 18 , permanecendo em pé somente a possibilidade de declarar absolvido o réu (cân. 1726), mas apenas em razão de evitar uma lesão de sua boa fama e permanece a possibilidade de uma eventual ação civil ad damna reparanda (cân. 1730, § 2; cf. CIC 17, cân. 1704, 1º).

O cânon 1720, com efeito, fala expressamente da extinção da ação criminal, que impede o Ordinário de iniciar um processo penal, prescrevendo o eventual decreto extrajudicial (cf. cân. 1342, § 1). Do momento em que a ação criminal contém em si a ação penal e que, decaindo a primeira, decai também a segunda, é de todo irracional pretender prosseguir a ação criminal para logo declarar o não prosseguimento da ação penal (ad exequendas poenas). O juiz, então, sem esperar o protesto da parte, deveria declarar ex officio extinta a ação criminal (portanto também a penal), declarando-se absolutamente incompetente do prosseguimento da causa: “At de nostro iure non est dubium praesciptionem admitii etiam actionis poenalis; eumdemque vim habere ipso iure seu ex temporis lapsu quin interveniat exceptionis oppositio in iudicio facta. Opinor hanc esse intentionem et vim iuris novi vigentis cân. 1702…” (19) . Lega, prefigurando essa situação jurídica, de modo cristalino assim afirma: “Ast quia [quid] iuris si vi cân. 223 [iudex in poenis applicandis] aliquis cuius interest, expectat dari sententiam declaratoriam poenae […]; reus autem excipiat se poenam non incurisse […] et si fingatur, tempus iam decurisse, ad praescribendum crimen de quo reus accusatur, habenda ne est praescripta poena? Ratio dubitandi est quia veniri, in casu, non potest ad sententiam declaratoriam nisi praemissa iudiciali cognitione de crimine admisso […], quod ipse accusatus negat, at huismodi instantia quomodo instaurari valet si, uti supponimus, praescriptum est crimen et hinc actio criminalis?[…] nempe etiam poenam in hoc casu, indirecte haberi praescriptam…” (20).

Tudo o que foi dito até aqui é confirmado também em analogia no código penal italiano, ao qual expressamente o código canônico faz referência (cân. 197): “Se l’azione penale non doveva essere iniziata o non doveva essere proseguita, il giudice pronuncia la sentenza di non doversi procedere, indicandone la causa nel dispositivo” (C.P.P., art. 529). O artigo citado não é outro senão a aplicação do art. 129 do mesmo código: “In ogni stato e grado del processo, il giudice, il quale riconosce… che il reato è estinto…, lo dichiara d’ufficio con sentenza”. E ainda: “…o juiz, se il reato è estinto, pronuncia sentenza di non doversi procedere, enunciandone la causa nel dispositivo” (C.P.P., art. 531). Os juízes e também o Promotor de Justiça, prosseguindo a ação criminal, mesmo não tendo título, chegaram a uma sentença declaratória de penas bem mais graves do que as propostas pelo titular da ação penal, mostrando evidentemente um pré-julgamento e um gênero de instrumentalização do processo penal, distorcendo-o de modo a favorecer as próprias convicções. Inútil acrescentar que a obstinação no prosseguir a ação penal e na imposição das penas tenha tido um sabor de uma forma de obstinação com relação ao réu.

Trata-se de exemplos práticos que querem apenas dizer como os perigos da ampla discricionariedade do juiz, que também é justificada pela peculiaridade do direito penal canônico, são reais e podem resultar algumas vezes numa evidente mortificação dos direitos do fiel cristão. A falta de respeito ao princípio de legalidade pode demonstrar um certo descrédito de fundo do instrumento “processo”, em quanto a sua capacidade de alcançar a verdade, e o conseqüente sucumbir à tentação de chegar à mesma por via extraprocessual. O juiz é, pelo contrário, chamado a buscar a procura da verdade por meio do procedimento estabelecido pelo Legislador com ânimo livre de qualquer preconceito (21) . O juiz, por isso, tem o dever de não se afastar do espírito e das normas do processo, com a certeza de que somente pelo instrumento processual é possível chegar e alcançar a verdade processual que se espera, seja a mais próxima possível à verdade dos fatos. A única certeza moral é a que procede – como há séculos ensina a jurisprudência – ex actis et probatis.

3. A discricionariedade do juiz canônico e o respeito ao direito de defesa

Já recordamos acima que o processo canônico oferece ao juiz amplos espaços de atividade discricionária, não existentes em nenhum outro código penal estatal (22). Todavia, a discricionariedade do juiz canônico, se não é, certamente, arbítrio, sequer apresenta a mesma amplitude em todas as fases do processo: seguramente é muito ampla na fase final do processo, na parte dispositiva da sentença na qual o juiz, buscando uma solução eqüitativa entre o rigor da lei que inflinge a pena e as circunstâncias do delito cometido, considerado concretamente em sua manifestação externa e nas causas psicológicas que o determinaram (imputabilidade penal), aplica a proporção entre a pena e o delito, que constitui um dos cernes do sistema penal da Igreja. A discricionariedade do juiz não resulta, pelo contrário, igualmente ampla na fase evolutiva do processo: as normas processuais, com efeito, são colocadas à tutela dos interesses em jogo, da comunidade eclesial e do réu, das partes públicas (promotor de justiça – advogado) como dos interesses do Legislador a que o direito não seja exaurido das suas finalidades de justiça natural e sobrenatural. O processo, como instrumento técnico, tem uma estrutura dialógica. É necessário, portanto, que seja promovida pelo juiz uma interação real entre as partes do processo, promovendo uma real e efetiva eqüidistância, que para o juiz é garantia de imparcialidade.

Infelizmente sabemos o quanto são viscosos e tenazes certos hábitos, que algumas vezes afloram na prática forense. A esse propósito é o caso de repetir que no processo penal a acusação e a defesa são partes públicas do processo, às quais o juiz deve garantir uma igualdade real de posições processuais e de ações no debate. É oportuno, na prática, que o juiz assegure a paridade de participação e de ações das partes, não mortificando o debate, que é a alma do processo, e salvaguardando as atribuições próprias de cada uma das partes públicas, sem favorecer ou prevalecer uma sobre a outra (23). Isto, por exemplo, torna-se evidente ao adotar algumas medidas processuais, como a decisão de colocar os atos sob segredo (24), regulada pelo cân. 1559. Deixando de lado aqui toda a problemática cheia de espinhos que diz respeito à instituição do segredo , urge aqui somente sublinhar que tal procedimento também pode prestar-se a ocasiões de abuso. A ligação evidente que tem o cân. 1559 com o cân. 1678, sub n. 1º, sugere que a decisão do juiz de proceder sob segredo diz respeito a todas as partes públicas (não as privadas, que ainda assim não podem assistir o processo) de modo indistinto: defensor do vínculo, advogados das partes e promotor de justiça. Isto é sugerido também no início, já suficientemente comentado, das paridades que o juiz deve assegurar nas partes do processo. Quando o juiz considera ter de fazer assistir ao depoimento a colocar sob segredo ou considera ter de levar a conhecimento de uma parte pública um ato destinado a permanecer secreto, deve necessariamente conceder à outra parte a mesma faculdade, obrigando ambas ao segredo em relação às partes privadas. É uma hipótese preter Codicem (o código não o proíbe expressamente!) que deduzo da Istructio Provida Mater, art. 130 § 1, que, mesmo tendo sido escrita em 1931, me parece já muito respeitosa de uma posição paritária das partes públicas do processo.

O cân. 1598, § 1, que trata da permanência do segredo de qualquer meio de prova, mesmo depois da publicação dos atos, se contém a locução “nemini manifestandum”: quer dizer que ainda que seja tomada tal medida, nem mesmo as partes públicas podem conhecer o ato que permanece oculto às partes privadas e que conhecerão somente os juízes, sem poder nem mesmo referi-lo na sentença definitiva (25). É evidente que a norma canônica não permite e disparidade de tratamento que, quando sucede, deve considerar-se atentado ao legítimo direito de defesa. Em suma, a atividade de moderação do juiz é de enorme importância, mas ao mesmo tempo delicada: chamar o Promotor de Justiça a assistir ao testemunho – que a testemunha deseja que seja secreto – excluindo-o do conhecimento da mesma o advogado da parte envolvida (réu), me parece uma evidente violação do direito de defesa, além de ser uma falta da eqüidistância do próprio juiz em relação à acusação e à defesa.

Um último problema que é necessário tratar aqui brevemente é o que diz respeito ao poder de direção do processo por parte do juiz e o poder de dispor das atividades assertivas e os poderes de exceção, seja em matéria de substância seja em matéria de rito, por parte do réu ou, melhor, por parte de sua defesa. Antes de tudo, uma consideração geral sobre a característica própria do processo penal com relação aos outros processos (civil, de estado das pessoas etc.). Se nestes últimos está justificada uma marginalização das partes privadas (autora ou demandada) que agem por meio da longa manus de seus advogados e procuradores, o mesmo não pode nem se deve dizer no processo penal: tais diafragmas não são compatíveis com as exigências de um processo no qual se julga uma pessoa e se decide o futuro e algumas vezes seu destino na Igreja. Neste caso e sob este exato perfil, com maior escrúpulo dever-se-ia pautar a ação diretiva do juiz diante do poder de ação e mais de exceção do réu (26) . Refiro-me de modo particular: seja à possibilidade de propor ações de reconvenção, seja à possibilidade de provocar incidentes processuais, seja, enfim, à faculdade de exceptio suspicionis. O juiz, no pleno conhecimento do princípio geral estabelecido pelo cân. 1491, deve, com muita cautela, e apenas diante de uma certeza moral, impedir a parte acusada no processo penal de usar o próprio poder de exceção. O antigo brocardo “Qui iure suo utitur neminem laedit” deveria bastar ao juiz para não ceder à tentação de suspeitar que a iniciativa do réu seja apenas de turvar as águas, e contenha uma tentativa dilatória ou, pior, que seja um modo de contra-restar a ação de procura da verdade por parte do juiz. É moralmente correta qualquer ação “ad submovendam vel ad minuendam actoris petitionem” (cân. 1493).

S. Afonso, cuja autoridade moral e jurídica é indiscutida, afirma sem ambigüidade que é moralmente correta a ação do advogado que, usando os meios que o direito oferece, em matéria penal, faça de tudo para que o réu ganhe uma redução da pena, por mínima que seja, e em outra obra, infelizmente ainda não publicada na íntegra, afirma que é moralmente justificável a tentativa do condenado de “fugir da prisão” (27) . Trata-se de afirmações a serem consideradas, certamente, conforme o espírito da época, para serem bem compreendidas, mas expressam, certamente, como toda ação voltada à tutelar, à própria incolumidade e à própria boa fama é legítima, se não contraria a caridade, a justiça e os bons costumes, e é moralmente reprovável que o juiz tente dificultá-la com base apenas em preconceitos. O único limite que o juiz deve ter presente é a possível violação da justiça e a má fé ao propor a exceção ou ao usar o poder propositivo (se cf. por exemplo os cân. 1553; 1560, § 2; 1556; 1570; 1593; 1595 etc.). Particularmente delicada, a esse propósito, é a norma que prevê a possibilidade de recusa do juiz (28) . Ainda mais delicada, e também mais odiosa do ponto de vista da vida eclesial, pode parecer o ato de recusa do juiz na pessoa do próprio bispo (cân. 1449, § 3). O código o admite, todavia, com base numa norma de antiqüíssima derivação (29). Veja-se nessa norma positiva a vontade constante da Igreja em garantir a máxima imparcialidade nos juízos, especialmente nos penais. A norma acima invocada e a ratio legis subjacente (a imparcialidade e a dignidade do officium iudicandi) é indicada também por uma outra disposição que infelizmente não goza de uma norma positiva no direito vigente e que permanece apenas uma aquisição jurisprudencial, ainda que de valor indubitável: a oportunidade declarada que nas causas penais o Instrutor da causa não seja também o Ponente da mesma (30), e isto para evitar que o Ponente se exponha a sugestões no interrogatório do réu e das testemunhas e, na redação da sentença, termine em julgar “super actis et probatis a se collectis” (31).

Numa dialética como a processual, em que as partes têm com o juiz a responsabilidade da procura da verdade, e o réu tem todo o direito de fazer quanto está em seu poder para demonstrar o quanto é estranho (eventualmente) aos fatos de delito a ele atribuídos, não se deve perder de vista a finalidade do processo penal canônico que, enquanto instituição jurídica própria à comunidade eclesial, deve realizar-se no espírito de comunhão que deve animar todos os âmbitos de ação dos fiéis na Igreja, sejam estes juízes ou réus, e deve conduzir ao restabelecimento da plena comunhão rompida pelo delito; também, se necessário, através da imposição da pena, mas apenas depois de uma verificação dos fatos que deve ser realizada permanecendo somente nos trilhos da justiça e, portanto, da caridade.

1. Artigo extraído de: CITO, Davide (Org). Processo penale e tutela dei diritti nell’ordenamento canonico. Giuffrè editore, 2005, p. 393-413.
2. O autor é doutor em Direito Canônico e professor de Direito Canônico na Pontifícia Universidade Gregoriana e na Pontifícia Universidade Urbaniana.
3. “… servata aequitate canonica et prae oculis habita salute animarum, quae in Ecclesia suprema semper lex esse debet”.
4. “… unum constituit tribunal cum Episcopo…”.
5. É preciso recordar que o Codex iuris canonici, ainda no cân. 1420, prescreve também que o vigário judicial que tenha poder de vicaria ordinária, seja distinto do Vigário Geral, ou seja, de um titular do poder administrativo (§ 1), e prescreve a imobilidade (cf. cân. 1422, § 5), medidas que garantem a necessária independência de juízo. Note-se também que, de fato, o juiz canônico goza de uma independência que lhe permite julgar respondendo apenas à própria ciência e consciência (cf. cân. 1608; 1609, § 4), enquanto o Ordinário, que geralmente é o executor da sentença promulgada em juízo (cân. 1685), é também quem tem o poder de remover o veto anexo a uma sentença (cân. 1684, § 1) e não pode entrar no mérito da causa, mas deve limitar-se somente à execução ou remoção (cân. 1654, § 2).
6. CAGLIOTI, B. La discrezionalità del giudice nel diritto penale canonico. 1969. Tese – Pontifícia Universidade de S. Tomás de Aquino, Palermo, 1969. in Urbe, 4. “Dove la discrezionalità del giudice in materia penale canonica appare maggiormente in evidenza è nell’applicazione delle pene facoltative, cioè di quelle pene la cui applicazione il Legislatore lascia alla prudenza del giudice” (B. Caglioti, La discrezionalità…, 39).
7. “Ordinarius proceduram […] ad poenas irrogandas […] tunc tantum promovendam curet, cum perspexerit […] aliis […] viis satis posse scandalum reparari, iustitiam restitui, reum emendari” (CIC, cân. 1341). A esse propósito é significativo o fato de não se encontrar no código penal italiano um artigo que trate das finalidades da lei penal. Todavia, percorrendo os artigos, máxime os do título IV, que tratam do réu e da pessoa ofendida pelo crime cometido, logo nos daremos conta de que o interesse do juiz civil é sobretudo o ressarcimento do dano provocado (es. Art. 145, sub 1 c.p.; esp. art. 165 c.p.) e a preocupação da certeza do direito. Não se diz nada sobre o também necessário fim da detenção e das outras penas estabelecidas pelo direito, que é certamente o da emenda do réu. Desse ponto de vista o direito canônico mostra não apenas sua especificidade em relação ao direito dos Estados, mas sua atenção à dignidade da pessoa humana e ao fim próprio da lei eclesial, que é a salvação das almas.
8. CAGLIOT, B. Ibidem.19; cap. I, parte I.
9. “Qui pollent potestate […] iudiciali […] possunt solummodo poenas, legitime statutas, ad normam iuris applicare”. Cf. o atual cân. 1321, § 1: “Nemo punitur, nisi externa legis vel praecepti violatio […] sit graviter imputabilis ex dolo vel ex culpa”. O mesmo princípio, de derivação romana, tem vigência no direito estatal italiano, como, por outra parte, em muitos ordenamentos civis, cf. CORDERO, F. Procedura penale. Milão, 1977- 1979.
10. Quando aqui falamos de processo, falamos indeterminadamente de processo seja esse judicial ou administrativo. O código canônico permite a escolha dessa dupla via de aplicação das penas, a estreitamente judicial ou então a administrativa (cf. cân. 1720-1721). Trata-se sempre, e de qualquer modo, de processos estabelecidos pelo Legislador e nunca de procedimentos arbitrários. Em qualquer caso, tenha-se presente que o código de 1983, à diferença do velho código, exprime uma preferência nata pela via judicial em matéria penal: isto é evidente, seja pelo fato de algumas penas mais graves não poderem ser aplicadas senão num processo judicial (cân. 1718, § 1, 3º e 1342, § 2), seja pelo fato de o código estabelecer que somente se faça recurso ao decreto extrajudicial de aplicação de uma pena quando não for possível estabelecer um processo judicial: “Quoties iustae obstent causae ne iudicialis processus fiat, poena irrogari vel declarari potest per decretum extra iudicium…” (1342, § 1).
11. Vejam-se os cân. 2192-2193 do CIC17. É significativo que esses cânones, suprimidos na revisão do código, não pudessem valer-se de nenhuma fonte no direito antigo, mas tivessem como fonte direta apenas a praxe relativamente recente da Sagrada Congregação do Concílio, competente em matéria clerical, como também é muito indicativo do espírito da lei revogado o termo arbitrium, usado no texto do cânon. “Prudenti Ordinarii arbitrio relinquitur…” (cân.. 2193). É também significativo, a esse propósito, que o cân. 192, § 3, CIC 17, tratando da privação do ofício eclesiástico, prescrevesse que o Ordinário podia decidir a privação – que, recordamos, tem sempre um caráter penal – “… ex qualibet iusta causa […] etiam citra delictum” e sobretudo que “… certum procedendi modum sequi minime tenetur”. Uma disposição abertamente contrária ao princípio enunciado no cân.. 2220, § 1! A supressão desses procedimentos que tantas vezes terminavam por ser utilizados arbitrariamente, e a consagração definitiva do princípio de legalidade, seja quanto à determinação da pena, seja quanto ao procedimento a seguir, são os dois sinais mais significativos da revolução levada a cabo com a aprovação do novo código de 1983 e a sua atenção aos direitos subjetivos do fiel cristão.
12. O procedimento ex officio permaneceu na praxe de algumas Congregações Romanas, mas atualmente está sujeito a grande restrições e, mesmo assim, nunca é adotado quando é possível ativar um verdadeiro processo penal.
13. CORDERO, F. Ibidem, 631, n. 3.
14. “Probationes cuiuslibet generis, quae ad causam cognoscendam utiles videantur et sint licitae, adduci possunt” (CIC, cân. 1527, § 1). Portanto, podem ser preparadas provas de qualquer gênero, desde que sejam úteis e lícitas. Mas o código não estabelece quando uma prova deva ser considerada lícita ou não, pelo que se ao juiz parecer útil uma prova ilicitamente obtida, poderia não hesitar em admiti-la em juízo!
15. Cf. CIC, cân. 1513, § 2 e 1560, § 2.
16. Cf. cân. 1362, § 1. LEGA, M. Commentarius in iudicia ecclesiastica, I, 496, n. 1.
17. LEGA, M. Ibidem, I, 499, n. 4.
18. Idem, ibidem.
19. Idem, ibidem, 498, n. 4.
20. Idem, ibidem, 501-502, n. 7. 
21. Interessante a esse propósito o que escreve L. A. Muratori no seu célebre opúsculo Dos defeitos da Jurisprudência, cap. X.
22. Não é este o lugar para precisar quanto e como a flexibilidade do sistema penal canônico corresponde à finalidade suprema da Igreja, a salus animarum, que serve de contrapeso ao perigo do formalismo jurídico no qual muitas vezes caem os ordenamentos civis (cf. Aloc. de Pio XII à S. Rota Romana, in AAS 36, 1944, p. 288-289).
23. É válido precisar a esse propósito que a tradição romana, sobre a qual sem dúvida a Igreja estabeleceu o próprio processo penal, está em direção oposta, isto é, procura atribuir ao réu uma posição favorável: “Favorabiliores rei potius quam actores habentur” (Caius, l. 125, D. de Reg. Juris 50, 17). O direito canônico, todavia, sempre mostrou favor pela igualdade entre as partes: “Non licet actore quod reo licitum non existit”, que repete Ulpiano: “Non debet actori licere quod reo non permittitur” (l. 41, pr. D. de Reg. Juris 50, 17). 
24. Cf. CONDE, M. J. Arroba. Diritto Processuale…, cit. 432 ss. J. Llobell faz notar como Pio XII, no discurso à Rota em 1946, no qual tratava dos procedimentos judiciários próprios à Doutrina da Fé, não afrontou o ponto dolente – tanto então como hoje – da “relação entre o direito de defesa e o segredo sobre a identidade dos denunciantes e dos textos em relação ao acusado e seu advogado” (op. cit. na nota seguinte, p. 253). Então, o problema de que se trata não é apenas o da possibilidade de conhecimento ou não do conteúdo dos atos secretos, mas também das reais possibilidades de o réu e seu defensor serem colocados, como seria na lógica processual de hoje, nas mesmas condições da acusação (o Promotor de Justiça) e não num degrau inferior.
25. Cf. LLOBELL, J. Os delitos reservados…, in Le sanzioni nella Chiesa, aos cuidados de G.I.D.D.C., Quaderni della Mendola, 5, Milão, 1997, p. 252.
26. “Quid ad agendum admittitur, est ad excipiendum multo magis admittendus”, recita a Regula Juris n. 71
27. Seja permitido, neste contexto, indicar minha obra: L’etica professionale degli operatori della giustizia e la morale alfonsiana, in Studia Moralis 41, 2003, p. 73-84, esp. 80.
28. CIC 1983, cân. 1448 e 1449.
29. C. 4, X, de foro competenti, II, 2.
30. Parece que norma se encontrava nas Regulae Servandae, da Sagrada Rota Romana, de 1910, art. 7, § 3, cit. in una dec. coram Mori, diei 3 fev. 1914, in SRRDec, vol. III, 53, cit. por V. Palestro, Le sentenze penali della Rota Romana, in AA.VV., Il processo penale canonico, aos cuidados de Z. Suchecki, Quaderni di Apollinaris/3, Roma, 2000, p. 314.

Posted in Lumen Veritatis - N. 1 - Outubro/Dezembro 2007 | Leave a comment

Valor del sacrificio de la Misa

M. de la Taille

Resumo

Após ter estabelecido as diferenças entre a Ceia do Senhor, em que o próprio Cristo foi Sacerdote e Vítima, e os sacrifícios eucarísticos oferecidos pela Igreja por meio de seus ministros, o autor questiona-se a respeito do valor verdadeiro e próprio da Santa Missa: equivalerá sempre em eficácia ao holocausto do Senhor no Calvário?

O Pe. de la Taille, partidário da teoria sacrificio-oblação, explicará a distinção entre o mérito infinito dAquele que na missa se oferece – o Corpo e Sangue de Cristo – e os benefícios relativos do ato oblativo condicionado à santidade da Igreja e daqueles que em seu nome o oferecem.

A Revista Lumen Veritatis coloca a disposição do leitor este excerto do artigo “A doutrina católica acerca da Eucaristia” da autoria do Pe. M. de la Taille com o intuito de facilitar a pesquisa sobre um tema essencial e de ininterrupta atualidade.

Abstract

After having established the differences between the Last Supper of the Lord, in which Christ himself was Priest and Victim, and the Eucharistic sacrifices offered by the Church by means of her ministers, the author raises a question in respect to the true and characteristic value of the Holy Mass: does it always have the same efficacy as the sacrifice of the Lord on Calvary? Fr. de la Taille, adherent of the sacrifice-oblation theory, will explain the distinction between the infinite merit of He who offers himself in the Mass – the Body and Blood of Christ – and the relative benefits of the oblatory act, conditional to the sanctity of the Church and of those who offer it in her name.

The Magazine Lumen Veritatis presents the reader with this excerpt from the article “The Catholic doctrine of the Eucharist” written by Fr. M. de la Taille with the purpose of facilitating research in this essential and ever-current theme. 

1. – Sus límites

1.1 – Valor infinito de lo que se ofrece

Si el Sacrificio no fuese una acción por la que se ofrece un don a Dios, sino el don mismo ofrecido, habría que decir que el valor de la Misa era simplemente infinito, toda vez que la víctima es, en sí, exactamente la misma que nos redimiera, y ya sabemos que la tal víctima es infinitamente superior a toda deuda posible de justicia o de gratitud imaginables. Pero, entendiéndose por Sacrificio la acción religiosa por la que se consagra a Dios el don ofrecido, tendremos que reconocer que su valor depende, no ya sólo del valor de lo que se ofrece, sino también de las disposiciones de corazón y de alma de quienes lo ofrecen.

Santo Tomás llega incluso a decir, que el valor definitivo depende más del amor con que se ofrece que del valor de la ofrenda. Esto debe entenderse bien. Podrá ser esto verdad, con todo rigor, en las relaciones humanas, en las que todo es allí finito: el sentimiento y la ofrenda, y podrá, por tanto, suplir o agregar aquél a las deficiencias o insuficiencias de ésta. Pero, en el Sacrificio del Cuerpo y de la Sangre de Cristo, aunque nuestros sentimientos personales sean finitos, no lo es la caridad con que se ofreciera y se ofrece el Señor y a nombre y en virtud de la cual ofrecemos nosotros (la Iglesia universal al menos). Pero, sobre todo: el don en si mismo, el que ahora ofrecemos, es el mismo e idéntico en su valor al que ofreciera Cristo en persona, puesto que siempre es, como en el Sacrificio de la Redención, el Cuerpo inmolado sobre la Cruz y la Sangre derramada por todas sus heridas hasta la muerte, el precio de nuestra redención, el rescate de nuestra salvación eterna.

Valor infinito, por consiguiente, por parte del don que se ofrece; y si bien es verdad que una cosa es el don y otra la ofrenda que hacemos del mismo, es, a la vez, inevitable, que nuestra ofrenda se valúe, en su objetividad, por la magnitud infinita de lo que pone efectivamente en las manos de Dios.

Es decir, que el Sacrificio de la Misa depende, cuanto a su valor, de dos respectos distintos: el uno variable, que es la santidad de la Iglesia y de cuantos intervienen en su oblación y su ofrenda; y el otro inmutable, siempre sin proporción alguna posible con nada que sea finito. Si el valor de la Misa se definiera por este segundo respecto únicamente, seria simplemente infinito y todas ellas serian enteramente equivalentes con el valor y el precio del sacrificio de la Cena y del Calvario.

1.2 – Valor relativo de la acción oblatoria

Pero, como la Misa, en rigor, más que el don o la cosa ofrecida, es la acción que a propósito de él o con él se ejecuta y esta acción es acción de la Iglesia, de los miembros y ministros de la Iglesia; en este sentido, habrá que decir que la Misa no iguala jamás al Sacrificio de la Redención; que, a Misas distintas puede responder valor diferente, y que todas ellas superan desde luego en valor a la obra personal de la Iglesia universal y de los miembros o ministros que en cada una de ellas intervengan como agentes particulares, ya que todas ellas y siempre toman de la Victima un aumento de valor incomparablemente más elevado que el que, en todo caso, pudiera tener cualquier acción ritual oblatoria.

En resumen: el valor de la Misa es el resultado de una variable afectada por una constante que es, en sí, infinita. De donde se infiere, que por mucho que saquemos de los frutos de nuestras Misas, siempre queda infinitamente más por poder sacar del infinito tesoro que tenemos a nuestra disposición en ellas. No las ofreceremos jamás en la medida en que pueden ellas ser ofrecidas, ni aprovecharlas tampoco en sus frutos posibles; pero podemos siempre mejorar más y más nuestras disposiciones de incorporación al gran Sacrificador, el Cristo, e ir creciendo también, consiguientemente, en méritos de oferentes subordinados y subalternos y beneficiamos así más y más de su fondo siempre ilimitado e inexhaurible. En otras palabras: podremos siempre ir haciendo cada vez más eficaz la aplicación, a nuestros fines particulares, de los frutos propiciatorios, satisfactorios e impetratorios de la Pasión de Cristo.

2. – Factores que intervienen en el distinto valor de la Misa

Expuesto en general el valor limitado y finito de la Misa, pasaremos ya a exponer los distintos factores que (siempre en subordinación a la única oblación del Cristo, perpetuamente operante por nuestras ministeriales acciones actuales) concurren, cada cual por su parte, en una medida distinta y en intensidad variable, a determinar el valor, relativo y práctico, de una Misa determinada.

Primer factor: la santidad de la Iglesia militante

El principal de estos factores es la santidad de la Iglesia militante en el momento particular en que se ofrece el Sacrificio. La Iglesia siempre es santa, por el Espíritu Santo que se le diera el día de Pentecostés y que siempre conserva. Pero, santidad indefectible no quiere decir santidad invariable. Una santidad colectiva, que expresa la santidad de los fieles actualmente en gracia, varía necesariamente según el número y el grado de todas aquellas santidades individuales de que resulta. Sería ingenuo suponer que no haya jamás altos y bajos, más o menos en ella. ¿Se puede acaso creer que la santidad de los Apóstoles haya tenido equivalente en todos los siglos? ¿O la santidad de la Iglesia de Jerusalén, con su unanimidad y concordia admirables? Y cuando aparte de todo esto y siempre dentro del campo de la Iglesia militante, cerníase sobre ella la santidad sin segundo de la Virgen Maria, ¿no se agrandaría hasta la inmensidad el valor y la eficacia de los sacrificios de la Iglesia, al punto de hacer violencia al Cielo en favor de la prodigiosa expansión y dilatación del Reino de Dios en aquellos primeros días? ¿Y no habrá que explicarse por este mismo mayor o menor valor relativo del Sacrificio Eucarístico, la lentitud, y aun retrocesos a veces, de la propagación de la fe en épocas menos privilegiadas, menos intensa o unánimemente preocupadas al menos por la Gloria de Dios y la caridad fraterna? ¿Y no tenemos ahí también un gran acicate, un gran estímulo, para la práctica de nuestras virtudes cristianas, todos cuantos tomamos a pechos colaborar en el advenimiento del Reino de Dios por la fuerza misteriosa de la Eucaristía?

La presencia de esta santidad es necesaria

Esta influencia general de la santidad de la Iglesia sobre el valor de una Misa determinada no falta nunca y por ello estamos seguros de que toda Misa es siempre eficaz y fructuosa; lo cual no ocurriría si, en un momento determinado, fal¬tara toda colaboración, santa y meritoria, a la obra de nuestro Sumo Sacerdote. ¿Cómo iba a incorporarse a la intervención mediadora del Cristo la oblación que, por el momento, no procediera en modo alguno de su Espíritu ni estuviera influida, en el más ínfimo grado siquiera, por la vida de la caridad divina? Nada se incorpora al cuerpo de Cristo sino como viviente, y lo que no está animado de la caridad está muerto. Pero, y si tiene que hallarse incorporada ya a la obra de Cristo ¿cómo puede decirse que colabore con ella? Esta colaboración no es cumulativa o agregativa, desde el exterior, sino desarrollo expansivo, de dentro a fuera.

No se trata, en efecto, de transmitir solamente la vida divina a las almas, como en los sacramentos, para lo cual basta en rigor un canal que deje simplemente pa¬sar el líquido vital sin que él mismo se beneficie de él: como seria el caso del rito bautismal puesto por un infiel. Es que se trata de hacer hablar, en la presencia de Dios, a la Sangre misma de Cristo y exigir ante Él todo su precio. Y para ello se necesita un corazón incorporado ya a Cristo y animado de sus propios sentimientos. Sólo así podrá el Padre Celestial, me¬jor que el anciano Isaac, reconocer en quienes le ofrecen tales dones la voz y las manos a la vez de su hijo bien amado; es decir: el poder sacerdotal y la caridad reparadora. Esta substitución, esta caracterización, no es como un vestido o disfraz que se pusiese uno por fuera. Es la exteriorización del principio vital de la gracia y de la caridad, en quien hace la ofrenda, y del que sólo Cristo es la cabeza.

Dios, felizmente, lo ha tenido así en cuenta. dejando en manos de la Iglesia toda oblación eucarística, como la flor en su tallo; así como la Iglesia, a su vez, en las de Cristo, su divino Esposo, como su carne exterior, indisolublemente incorporada a su propia vida inmortal y divina.

El sacerdote, por más que consagre como instrumento inmediato de la virtud sacerdotal del Cristo, no obstante, en su función de oferente, lo hace también, y simultáneamente, a título de representante próximo de la Iglesia militante expandida por toda la tierra. Su Sacrificio, como dice el concilio de Trento, es el que “la Iglesia inmola por el ministerio de sus sacerdotes”. En esta forma está siempre asegurada, en cada uno de los sacrificios, la contribución actual y siempre renovada de un nuevo valor sacrificial: el de la Iglesia universal, infaliblemente digna en todo momento de asociarse al Sacrificio que de una vez para siempre ofreciera por nosotros el Cristo, como a la plenitud que jamás podrán agotar o reducir nuestras participaciones posibles.

Segundo factor: el celebrante

Entre todas las personas que, en el momento de que se trate, componen la Iglesia, ninguna entra en más directo y noble contacto con la obra a realizar por el Sacrificio, que el sacerdote que lo celebra. Su participación en ella es, esencialmente, la oblación sacerdotal. El sacrificio es, pues, suyo, de manera especialísima: como la vista es del ojo, por más que el cuerpo vea en realidad por su medio. Así, pues, la santidad personal del sacerdote influye más que la de otro fiel cualquiera en la valoración de la santidad adventicia y secundaria del Sacrificio, aun siendo siempre una e idéntica la objetividad de lo que se ofrece; pues la mano que toma entonces de los tesoros de la Cruz es mayor y es más lo que toma, por tanto. Es el corazón el que se hace reservorio de las ondas espirituales, para expandirlas luego por la Humanidad entera; y el corazón, cuanto más dilatado por la caridad, más capaz viene a ser y más libre paso deja a la vez a los efluvios de la caridad divina en bien de los hombres.

Los sacerdotes santos son los más beneméritos de toda la Humanidad, por la santidad en que envuelven su propia función de oficiales sacrificadores a nombre de todos los otros. No se olvide, sin embargo, que aun el Sacrificio de los sacerdotes menos observantes de sus deberes queda siempre siendo fructuoso, no ya para ellos mismos, sino para los fieles que (a menos que una sentencia eclesiástica se lo prohíba) les encomiendan la celebración del Sacrificio. Toda la Iglesia respalda a su ministro; detrás de cada uno de ellos, digno o indigno, pero siempre válido en su función oficial, hace de fondo la Iglesia toda, que está allí con él, en él y por él, en virtud de su carácter sacerdotal, cuya marca y señal indeleble lo consagra como agente oficial a perpetuidad de toda la comunidad cristiana. La indignidad de un miembro no denigra a la totalidad de su cuerpo: y la santidad de Cristo, vivo siempre en su Iglesia, prevalece sobre la maldad aun del mismo sacerdote oferente.

Tercer factor: el fiel que ofrece y paga la Misa

Después del sacerdote, quien más afecta con su mérito personal y su fervor al valor definitivo de la Misa en cada caso es el fiel, que contribuye, no ya sólo a lo que debe ser el envolvente externo de la Eucaristía, sino a lo que el sacerdote debe tomar sin duda del propio altar, a que sirve, para su personal subsistencia. Todo cuanto el Altar adquiere, lo adquiere para Dios sin duda alguna; pero el sacerdote, consagrado por su propio estado al servicio del Altar, recibe de Dios una parte de lo que el Altar adquiere como propiedad ya de Dios. “¿No sabéis, acaso, dice San Pablo (I Cor. IX, 13), que los que se dedican a los sacrificios, del Santuario toman su sustento, y que quienes sirven al Altar participan del Altar?” En la Ley Antigua, cuando un fiel había en-tregado al sacerdote una oveja para ofrendarla a Dios, decimos que la consagraba a Dios toda ella, y toda ella en efecto la aceptaba y tomaba Dios para sí. Pero Dios invitaba al sacerdote a participar con Él y llevarse una parte del banquete, como invitaba también al fiel mismo que ofreciera el sacrificio. Lo mismo ocurre en el Sacrificio Eucarístico. Todo cuanto se entrega al sacerdote en consideración al Sacrificio – cuya aplicación a mis intenciones y en mi provecho va él a ofrecer en mi nombre – se ofrece directa e inmediatamente a Dios, como lo enseña Santo Tomás (Suma Teológica II-II 86, 2, c. et 1m), interpretando a San Pablo; pero Dios hace cesión de una parte de todo ello al sacerdote, para su sustento y el de los pobres, una vez celebrado el Sacrificio con lo restante, que por la consagración se convierte en el Cuerpo y Sangre de Cristo, nuestra Víctima de todos los tiempos. Pero esta única Víctima no viene a ser nuestra Víctima sino mediante las apariencias de pan y de vino que le hacen tomar las especies eucarísticas, ya que es esencial al rito de nuestro sacrificio el serlo según el orden de Melquisedec, como lo es también al carácter de nuestro sacerdocio. La Misa es en realidad un Sacrificio del Cuerpo y de la Sangre de Cristo sólo a condición de que dichos Cuerpo y Sangre se hallen, respectivamente, en apariencia del fruto elaborado de nuestros trigales y del fruto líquido de nuestros viñedos. Esto exige la institución de la Eucaristía. Por consiguiente, quien presenta en el altar los dones que habrán de transubstanciarse en el Cuerpo y Sangre de Cristo, si quiere que el tal Sacrificio ceda, todo él, en su beneficio o a sus personales intenciones, tendrá que dar de esos dones tanto cuanto bastaría de suyo en justicia para un sacrificio similar de pan y de vino y para la sustentación del sacerdote. En este sentido, será él el verdadero autor y oferente del Sacrificio eucarístico a titulo particular, privativamente suyo. A él se deberá entonces el Sacrificio cuanto a su materia (materia adecuada a las exigencias del sacramento y a las necesidades del sacerdote), como se debe al sacerdote cuanto a su aspecto formal, representado por las palabras de la consagración.

El fiel que asiste con devoción al Sacrificio

Una tercera clase de oferentes particulares la constituyen los fieles que asisten religiosamente al Sacrificio y en particular los que intervienen como ministros subalternos. Los libros litúrgicos están llenos de sus funciones respectivas, que distinguen con precisión y expresamente de la de los fieles que ofrecieron los dones. El que asiste a la misa ofrece también, y lo hace a título que no es el de los fieles en general, puesto que su título lo asocia más de cerca y en forma más ostensible a la obra que se realiza a nombre de toda la Iglesia: es decir, que él, personalmente ratifica esa obra más explícitamente por su propia cuenta, y le da un más actual y práctico asentimiento. A ellos les pregunta el sacerdote en el Canon si quieren ofrecer la “Eucaristía”. Gratias agamus Domino Deo nostro. – Dignum et iustum est. – Vere dignum et iustum est, aequum et salutare, nos tibi semper et ubique gratias agere, Domine sancte, Pater omnipotens. Esta acción de gracias (gratias agere), es la “Eucaristía” que se inicia con un público asentimiento de todos los fieles presentes.

De los fieles, y de los fieles presentes, deben también entenderse en el Canon de la Misa todas aquellas expresiones tan lle¬nas de respeto, en tan favorable contraste con el modesto lenguaje que emplea en su propio nombre el celebrante y antiguamente los concelebrantes. Antes de la narración de la Cena: “Aceptad, Señor, os suplicamos, esta ofrenda de vuestro siervo (servitutis nostrae: es decir, mi ofrenda personal, como celebrante) y de toda vuestra familia (familiae tuae: es decir, de los fieles presentes). Después de rememorar las palabras de la institución: “Nosotros, vuestros siervos (servi tui, es decir, yo mismo) y con nosotros, vuestro santo pueblo (plebs tua sancta, es decir, todos los asistentes), ofrecemos a vuestra Majestad soberana, del tesoro de vuestros dones y de vuestros beneficios una Hostia pura, una Hostia santa, una Hostia inmaculada, el sagrado pan de la vida eterna y el cáliz de la eterna salvación.”

El laico no puede sentirse humillado ciertamente por la Liturgia. Esta misma se encarga, por el contrario, de proclamar la grandeza de que se halla investido como hijo de Dios, asociado en Cristo a la oblación de los preciosos dones de la Cena, de la Víctima del Calvario y de la Sangre redentora. No recuerda todo esto sólo para edificación de los fieles, sino que inculca al sacerdote mismo todo el respeto que debe inspirarle una tal grandeza. Si no tiene el laico el carácter sacerdotal propio de quien ha sido consagrado para celebrar el rito eucarístico, pero tiene al menos el carácter bautismal, que configurándonos, bien que en un plano inferior, con el sacerdocio de Cristo, nos habilita para la función también de oferentes, que a todo cristiano conviene por intermedio de los sacerdotes.

He aquí, pues, la clasificación de los oferentes que intervienen, o pueden intervenir, en un Sacrificio: el celebrante, el que encargo la misa, los asistentes y, tras de todos ellos, la Iglesia universal, la Iglesia de los bautizados.

Eficacia de la Misa y responsabilidad de los fieles

[Tras estas consideraciones], se echa, en cambio, de ver la potencia inmensa que tienen en sus manos los fieles y que pueden utilizar según su caridad les inspire. Es la gran palanca que puede remover el mundo. La Misa es la más poderosa de las fuerzas espirituales. Si ella desapareciera, nada más quedaría, pues de ella todo depende; si se la me¬nospreciara, todo el mundo correría el más grave peligro.

Pero, a diferencia de los sacrificios antiguos a que ha substituido, él no desaparecerá jamás. Mientras dure la Iglesia, durará el Sacrificio: hasta que venga el Hijo del hombre a tomar posesión de su Reino. Los cristianos tendrán que responder del uso que hayan hecho, entretanto, de este va-liosísimo talento. ¿Lo han hecho fructificar? Es lo que habrá que pensar y tomar muy a pecho.

Ahora bien, no se hace fructificar el Sacrificio externo, por muy excelente y valioso y augusto que sea, sino a condición de unir a él el Sacrificio interior, del que debe aquél ser expresión y que en modo alguno puede faltar, a menos de tildársele de insinceridad y falsía, tanto mayores cuanto mayor sea la frecuencia de esos mismos ritos sagrados que Dios instituyera y pusiera en nuestras manos. Se exige en quien pretenda hacer fructificar la Sangre de Cristo un deseo siquiera incipiente de abnegación de sí mismo y de mortificación de sus concupiscencias: que es en lo que consiste la inmolación personal del cristiano en unión con la de Cristo. Y esto es lo que profesamos por el Santo Sacrificio. No sería cosa, pues, de esperar sus frutos, si lo hacíamos falso lenguaje de sentimientos que no abrigábamos con sinceridad en nosotros. Grande es, pues, nuestra responsabilidad en la Sangre que se nos ha confiado; como grande será también la Gloria de quien pueda decir con San Pablo: “Completo en mi carne la que todavía falta a los sufrimientos de la Pasión de Cristo en sus miembros, en favor de su Cuerpo, que es la Iglesia” (Col. I, 24).

Los sufrimientos de Cristo salvan al mundo; pero sufrimientos son también de Cristo los de sus santos y los de todos sus fieles, en los que tiene que vivir Él su paciencia, su abnegación, sus renunciamientos y, en general, sus virtudes “cristianas”. Esta es la que falta todavía, si así puede decirse, a los sufrimientos de la Pasión de Cristo, para hacerse divinamente eficaz, en las manos de la Iglesia, como panacea universal infalible de los males del mundo, el Sacrificio Eucarístico.

Posted in Lumen Veritatis - N. 1 - Outubro/Dezembro 2007 | Leave a comment

Por que ser tomista?

Mons. João Clá, Dias, EP (1)

O homem tem sede de perpetuar sua lembrança

“Eterna é a fidelidade do Senhor” (Sl 116, 2).

Um dos sintomas pelos quais podemos discernir o quanto Deus cria a alma humana com vistas à vida eterna é a inextinguível sede de eternidade que brota de seu mais profundo âmago. E isso acontece apesar de o homem constatar até que ponto é efêmera sua existência terrena, tal qual diz o Eclesiástico: “A duração da vida humana é quando muito de cem anos. No dia da eternidade esses breves anos serão contados como uma gota de água do mar, como um grão de areia” (Eclo 18, 8). 

Entretanto, arde no homem o desejo de prolongar estavelmente sua lembrança junto aos que com ele vivem, como também entre aqueles que no futuro haverão de existir. A angústia muitas vezes pervade o espírito de quem se coloca na perspectiva de vir a ser inteiramente esquecido pelos seus e pela posteridade. A simples consideração deste versículo do Eclesiastes: “Não há memória do que é antigo, e nossos descendentes não deixarão memória junto àqueles que virão depois deles” (1, 11), quase sempre deita uma certa amargura no fundo da alma de quem experimenta a progressiva cercania da morte. 

A febricitada busca de sucesso traz mais frustração do que felicidade

Esse é o pânico psíquico que esteve na raiz da febricitada busca de sucesso da parte de tantos infelizes. Eles mais encontraram frustração do que felicidade, e o que é pior, ad perpetuam rei memoriam. Mais ainda, essa memória pela qual ansiavam fixou-se nas esteiras da História bem no extremo oposto à glória divina que desejavam. Os tempos que nos precederam estão coalhados de ilustrações dessa triste situação. Algumas, porém, se tornaram paradigmáticas como é, por exemplo, o caso de Alexandre Magno (356 a.C. – 323 a.C.).

Depois de se ter apoderado da Grécia, Alexandre, filho de Filipe da Macedônia, oriundo da terra de Kitim, derrotou também Dario, rei da Pérsia e da Média, e reinou em seu lugar. Empreendeu inúmeras guerras, apoderou-se de muitas cidades e matou vários reis da terra. Atravessou-a até aos seus confins, apoderou-se das riquezas de vários povos, e a terra rendeu-se-lhe. Tornou-se orgulhoso e o seu coração ensoberbeceu-se. Reuniu poderosos exércitos, submeteu ao seu império muitos povos e os reis pagaram-lhe tributo.

Finalmente, adoeceu e viu que a morte se aproximava. Convocou então os seus oficiais, os nobres da sua corte, que com ele tinham sido criados desde a sua juventude, e, ainda em vida, dividiu o império entre eles. Alexandre reinou doze anos, e morreu. Os seus generais assumiram o poder, cada um na sua região. Depois da sua morte, cingiram o diadema e, depois deles, os seus filhos, durante muitos anos, multiplicando os males sobre a terra” (1 Mc 1, 1-10). 

Conta-nos ainda a História (2) , que Alexandre chegou a exigir de seus súditos um culto de idolatria, considerando-se deus. Mas, de que lhe valeram a sucessão de magníficas vitórias, a fundação do Império Grego e o ter-se tornado o dominador absoluto do Oriente Próximo? Em realidade, seu orgulho teve um fim prematuro, vindo a falecer aos trinta e três anos de idade. Seu desaparecimento teve trágicas conseqüências: após longas e sangrentas lutas pela sucessão, seu império fora desmembrado e, com o passar do tempo, absorvido pela expansão romana. Seu legado moral – a civilização helenística – é considerado como deletério pelo livro dos Macabeus. Nele se nos apresenta Antíoco Epífanes – sucessor da dinastia dos selêucidas – como “aquela raiz de pecado” (1 Mc 1, 10) nascida, em última análise, do influxo expansionista de Alexandre Magno (3) .

São Tomás de Aquino: o homem que marcou a posteridade com sua doutrina

Quanto erraram este e tantos outros homens! Pois o caminho para perpetuar a memória é bem outro, tal qual afirma o Salmista: “Eterna será a memória do justo” (Sl 111, 6), ou o próprio Livro da Sabedoria: “Mais vale uma vida sem filhos, mas rica de virtudes: sua memória será imortal, porque será conhecida de Deus e dos homens” (Sb 4, 1). Ainda mais nimbada de glória será a imortalidade de sua memória se de seus lábios ou de sua pluma brotarem sábias e elevadas explicitações segundo os recursos da razão humana, sobre as últimas causas, o mundo, o homem e a própria existência de Deus, como também de Seus atributos. E se esse esforço não se apoiar exclusivamente na inteligência, mas, de maneira especial, nas luzes que nos proporciona a Revelação, o fulgor daí resultante será maior.

Um indiscutível exemplo de quem, nessa linha, marcou os acontecimentos da Igreja e foi aureolado da melhor fama é São Tomás de Aquino. Por um rico sopro do Espírito Santo, soube ele conjugar as verdades filosóficas e teológicas enquanto procedentes da Verdade Criadora e Inteligência Suprema. E isto porque a Filosofia é a mais importante das ciências para servir à Teologia, sendo esta a primeira entre todas elas. Uma estuda a ordem da natureza e a outra, a ordem da graça. Ambas muito harmônicas, pois, delas, um só é o criador: Deus! Ele é o autor da verdade natural, como também da revelada, e daí haver um necessário e perfeito entrelaçamento entre razão e fé. 

No coração do Doutor Angélico, a lógica adquire asas sem perder seu contato com a terra, e as ciências físicas, metafísicas e filosóficas com toda humildade, inclinam-se diante da autoridade divina para servir à Teologia. Em sua mente encontramos um alcandorado resumo de toda a ciência da Idade Média, como até mesmo da do mundo antigo, purificada e santificada; ali estavam a Filosofia e a Teologia conduzidas a uma perfeita união, a razão submetida à fé em novo vigor e energia. Por isso não devemos considerar suas obras como simples ensaios de Teologia ou de Filosofia, mas sim um verdadeiro monumento-síntese de enorme envergadura e profundidade, esplendor de uma grande época. Daí tornar-se compreensível ainda hoje o motivo pelo qual se deve buscar em São Tomás uma das mais belas aplicações do método, ou melhor ainda dizendo, a lógica em toda a força de sua clareza e penetração, e nunca com os entraves com que a arrouparam nos séculos posteriores.

Quer na alma dos santos, quer na voz do Magistério da Igreja, sempre houve um reconhecimento do gênio divino com o qual o Doutor Angélico elaborou sua Suma Teológica, discernindo e desenvolvendo todos os ramos do conhecimento humano, agrupando-os, entrelaçando-os e entregando-os ao serviço da fé. É nessa perspectiva que encontramos Santo Alberto Magno abismado diante da Suma Teológica produzida por seu ex-aluno, quando com muito esforço procurava ele fazer avançar a sua própria, que há certo tempo começara.

Quando Alberto leu a Suma de seu antigo aluno, exclamou maravilhado: “Isto é perfeito e definitivo!” E se absteve de continuar a sua. O Concílio de Trento confirmou seu parecer: sobre a mesa da sala, colocou ao lado da Bíblia a Suma de São Tomás, como Testamento da Idade Média (4).

O brilho da fulgurante aura de São Tomás não ficou circunscrito à Idade Média; ainda hoje suas luzes nos assistem com seus raios. Na carta Lumen Ecclesiae, do Servo de Deus Paulo VI, dirigida ao Superior Geral dos Dominicanos por ocasião do VII centenário da morte do grande doutor da Igreja, encontramos este importante elogio:

Também o Concílio Vaticano II recomendou, duas vezes, São Tomás às escolas católicas. Com efeito, ao tratar da formação sacerdotal, afirmou: “Para explicar da forma mais completa possível os mistérios da salvação, aprendam os alunos a aprofundar-se neles e a descobrir sua conexão, por meio da especulação, sob o magistério de São Tomás”. O mesmo Concílio Ecumênico, na Declaração sobre a Educação Cristã, exorta as escolas de nível superior a procurar que, “estudando com esmero as novas investigações do progresso contemporâneo, se perceba mais profundamente como a fé e a razão têm a mesma verdade”; e logo em seguida afirma que para esse fim é necessário seguir os passos dos doutores da Igreja, sobretudo de São Tomás. É a primeira vez que um Concílio Ecumênico recomenda um teólogo, e este é São Tomás. Quanto a nós, basta, entre outras coisas, repetir as palavras que pronunciamos noutra ocasião: “Aqueles que têm a missão de ensinar […] escutem com reverência a voz dos doutores da Igreja, entre os quais ocupa lugar eminente São Tomás; com efeito, é tão poderoso o talento do Doutor Angélico, tão sincero seu amor à verdade e tamanha sua sabedoria ao investigar as mais elevadas verdades, ao explicá-las e relacioná-las com profunda coerência, que sua doutrina é um eficacíssimo instrumento, não só para estabelecer bem os fundamentos da fé, mas também para retirar dela, de modo útil e seguro, frutos de um sadio progresso” (5) .

No novo Código de Direito Canônico – uma das obras de grande envergadura do pontificado do Servo de Deus João Paulo II -, a doutrina teológica de Tomás de Aquino se torna, por assim dizer, “lei” da Igreja. Ao tratar da formação dos clérigos, o Código recomenda:

Cân. 252 § 3. – Haja aulas de Teologia dogmática, fundamentada sempre na palavra de Deus escrita, junto com a sagrada Tradição, pelas quais os alunos aprendam a penetrar de maneira mais profunda os mistérios da salvação, tendo por mestre principalmente São Tomás (6_.

É particularmente significativo o empenho de João Paulo II em ressaltar a atualidade da doutrina tomista. Matéria na qual esse Papa de feliz e saudosa memória tem uma especial autoridade, não só em decorrência de sua formação no “Angelicum” de Roma, como também por ter vivido intensamente os problemas e as contradições do século XX, exercendo sua atividade docente e ministerial num país em que se confrontavam de forma aguda as ideologias que levaram o racionalismo ao extremo do ateísmo, apesar de ali perpetuar-se uma comunidade eclesial pujante e de sólida fé.

Em 13 de setembro de 1980, ao receber os participantes do VIII Congresso Tomista Internacional, por ocasião do centenário da encíclica Aeterni Patris, do seu predecessor Leão XIII, o Papa João Paulo II afirmava:

Os cem anos da encíclica Aeterni Patris não passaram em vão, nem esse célebre Documento do Magistério pontifício perdeu a sua atualidade. A encíclica baseia-se num princípio fundamental, que lhe confere profunda unidade orgânica interior. É o princípio da harmonia entre as verdades da razão e as da fé. Isto é o que tinha sumamente a peito Leão XIII. Tal princípio, sempre a manifestar-se e atual, durante estes cem anos fez notáveis progressos. Basta ter conta na coerência do Magistério da Igreja desde o Papa Leão XIII até Paulo VI e naquilo que maturou no Concílio Vaticano II, especialmente nos documentos Optatam Totius, Gravissimum Educationis e Gaudium et Spes. […]

Graças às diretrizes da Aeterni Patris, de Leão XIII, que com tal documento – que tinha como subtítulo “De philosophia christiana… ad mentem sancti Thomae… in scholis catholicis instaurandis” – manifestava a consciência de terem chegado uma crise, uma ruptura e um conflito ou, pelo menos, um ofuscamento acerca da relação entre a razão e a fé. No interior da cultura do século XIX poderiam-se, de fato, reconhecer duas atitudes extremas: o racionalismo (a razão sem a fé) e o fideísmo (a fé sem a razão). A cultura cristã movia-se entre esses dois extremos, pendendo para uma parte ou para outra. O Concílio Vaticano I tinha já dito a sua palavra a propósito. Era agora o tempo de imprimir novo curso aos estudos no interior da Igreja. Leão XIII aplicou-se, com clarividência, a essa tarefa, representando – e este é o sentido de instaurare – o pensamento perene da Igreja, na límpida e profunda metodologia do Doutor Angélico (7). 

Eixo central do pensamento cristão

Salientou também o Servo de Deus João Paulo II, nessa ocasião, o papel de grande destaque que ocupa o Doutor Angélico, tanto nos céus da Filosofia quanto nos da Teologia:

Como afirmava Paulo VI: […] “São Tomás, por disposição da Divina Providência, atingiu o cume de toda a Teologia e Filosofia ‘escolástica’, como se lhe costuma chamar, e fixou na Igreja o eixo central a cuja volta, então e em seguida, se pôde desenvolver o pensamento cristão em seguro progresso” (Lumen Ecclesiae, 13. 3). 

Está nisto a motivação da preferência dada pela Igreja ao método e à doutrina do Doutor Angélico. Longe de preferência exclusiva, trata-se de referência exemplar, que permitiu a Leão XIII declará-lo. “Inter Scholasticos Doctores omnium princeps et magister” (Aeterni Patris, 13). E tal é verdadeiramente São Tomás de Aquino, não só pela sua plenitude, pelo equilíbrio, pela profundidade e pela limpidez do estilo, mas ainda mais pelo vivíssimo sentido de fidelidade à verdade, que podem também dizer-se realismo. Fidelidade à voz das coisas criadas, para construir o edifício da Filosofia; fidelidade à voz da Igreja, para construir o edifício da Teologia (8) .

Justo equilíbrio entre fé e razão

É, porém, na encíclica Fides et Ratio, que o Papa torna mais candente a atualidade do tomismo, propondo-o como justo equilíbrio entre a fé e a razão, “as duas asas do espírito humano”:

Embora sublinhando o caráter sobrenatural da fé, o Doutor Angélico não esqueceu o valor da racionabilidade da mesma; antes, conseguiu penetrar profundamente e especificar o sentido de tal racionabilidade. Efetivamente, a fé é de algum modo “exercitação do pensamento”; a razão do homem não é anulada nem humilhada, quando presta assentimento aos conteúdos de fé; é que estes são alcançados por decisão livre e consciente. […]

Precisamente por esse motivo é que São Tomás foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer Teologia. Neste contexto, apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor, o Servo de Deus Paulo VI, por ocasião do sétimo centenário da morte do Doutor Angélico: “Sem dúvida, São Tomás possuiu, no máximo grau, a coragem da verdade, a liberdade de espírito quando enfrentava os novos problemas, a honestidade intelectual de quem não admite a contaminação do Cristianismo pela Filosofia profana, mas tampouco defende a rejeição apriorística desta. Por isso, passou à história do pensamento cristão como um pioneiro no novo caminho da Filosofia e da cultura universal. O ponto central e como que a essência da solução que ele deu ao problema novamente posto da contraposição entre razão e fé, com a genialidade do seu intuito profético, foi o da conciliação entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho, evitando, por um lado, aquela tendência antinatural que nega o mundo e seus valores, mas, por outro, sem faltar às exigências supremas e inabaláveis da ordem sobrenatural” (9) . 

Bento XVI salienta novamente sua atualidade

Cabe-nos ainda recordar uma recente alocução de Sua Santidade Bento XVI, felizmente reinante, sobre o Doutor Angélico, salientando sua atualidade como solução para o inconsistente conflito entre fé e razão:

O calendário litúrgico recorda hoje São Tomás de Aquino, grande doutor da Igreja. Com seu carisma de filósofo e teólogo, ele oferece um válido modelo de harmonia entre razão e fé, dimensões do espírito humano, que se realizam plenamente no encontro e no diálogo recíproco. Segundo o pensamento de São Tomás, a razão humana, por assim dizer, “respira”: isto é, move-se num horizonte amplo, aberto, no qual pode expressar o melhor de si. Ao contrário, quando o homem se limita a pensar só em objetos materiais e experimentáveis e se fecha às grandes interrogações sobre a vida, sobre si mesmo e sobre Deus, empobrece-se. A relação entre fé e razão constitui um desafio sério para a cultura atualmente dominante no mundo ocidental e, precisamente por isso, o amado João Paulo II quis dedicar-lhe uma Encíclica, intitulada Fides et ratio, “Fé e razão”. […]

Quando é autêntica, a fé cristã não mortifica a liberdade e a razão humana; e então, por que fé e razão devem ter receio uma da outra, se ao encontrar-se e dialogando podem expressar-se do melhor modo? A fé supõe a razão e aperfeiçoa-a, e a razão, iluminada pela fé, encontra a força para se elevar ao conhecimento de Deus e das realidades espirituais. A razão humana nada perde abrindo-se aos conteúdos de fé, aliás, eles exigem a sua adesão livre e consciente (10) .

Outros elogios de Papas e catedráticos

Ainda sobre a consagração histórica e universal de São Tomás enquanto filósofo e teólogo, valeria a pena lembrarmos o fato de o Papa João XXII haver afirmado que se aprende mais durante um ano de estudos dedicado às suas obras, em comparação a décadas consagradas ao aprofundamento nos escritos de outros autores (11).

É indispensável, ademais, reconhecer os méritos do Papa Leão XIII em ressaltar os valores científicos das explicitações de São Tomás. Foi por uma ação direta sua – no século XIX, portanto – que surgiram centros de estudos tomistas nas universidades católicas, propiciando, dessa forma, a influência do Doutor Angélico nas descobertas e investigações da ciência. A Biologia, a Química e a própria Psicologia experimental em suas novas conquistas enriqueceram-se, assim, com a seiva doutrinária antiga. Importantes universidades modernas do continente europeu, como também do americano, passaram a se abeberar nos grandes princípios tomistas; por exemplo, Harvard, Oxford, Sorbone e Louvain. Não foi sem razão que Etiènne Gilson, conceituado catedrático da Sorbone, conferiu a São Tomás o título de Pai da Filosofia Moderna. Levou em conta esse mestre o quanto a metafísica de São Tomás constitui a sustentação unificadora da cultura greco-romana batizada e alimentada pelo Cristianismo.

Uma nota essencial do pensamento tomista: Deus é a verdade absoluta

Uma das notas características e até essenciais na elaboração do pensamento de São Tomás está na sua convicção sobre a unicidade da verdade, pois Deus é a Verdade Absoluta e todas as outras que existem esparsas pelo universo são decorrentes da primeira e essencial, tal qual magistralmente esclarece em uma das cinco vias por ele elaboradas para demonstrar a existência de Deus. Por essa razão, não tem o Doutor Angélico o menor receio de servir-se da obra de Aristóteles, filtrada das explicitações inconsistentes dos comentaristas árabes, nem sequer deixa de se aproveitar das doutrinas de Platão para dar ao seu monumental edifício filosófico toda solidez. Evidentemente, teve primordial importância para São Tomás o pensamento elaborado por mestres da própria Igreja, como por exemplo, e sobretudo, Santo Agostinho (12). 

Oferecer um contributo ao pensamento moderno por meio de uma clave antiga e nova

Dado o exíguo espaço de um artigo, não pretendemos aqui comentar as numerosas obras densas em substância doutrinária desse gênio hors série da Verdadeira Igreja. Nem sequer em nada nos pervade a pretensão de nos supormos possuidores dos conhecimentos que nos tornariam capazes de apontar todos os méritos da elaboração de nosso Santo Doutor. Queremos apenas abrir um pouco nossos corações e manifestar o porquê de a Faculdade Arautos do Evangelho, assim como o Instituto Teológico São Tomás de Aquino e o Instituto Filosófico Aristotélico-Tomista, terem tomado por bem promover o estudo da Filosofia e Teologia medievais – destacando de forma especial a doutrina tomista. 
Com efeito, os homens e as mulheres de nosso tempo, cansados de procurar a verdade em sistemas de pensamento extremamente contrapostos e diversos, estão sedentos de beber de uma fonte límpida e clara, de haurir a certeza numa escola de pensamento de inspiração cristã, a qual ofereça um sistema não-sujeito às limitações que o divórcio entre a realidade natural e a sobrenatural impõe à inteligência e à vontade humanas. 

Pois bem, longe de qualquer anacronismo, o estudo e a pesquisa das fontes tomistas contribuem com uma resposta convincente e profunda àqueles que procuram o alcandor e o esplendor da verdade. Convidamos nosso leitores a usar esse meio de estudo e reflexão com o mesmo espírito que animava o Aquinate a se lançar à busca da sabedoria, tendo bem presente que a vida intelectual de nosso santo Doutor esteve profundamente animada pelo desejo de encontrar ao Deus vivo e verdadeiro e de amá-lo tanto quanto fosse possível a uma criatura. Nunca separou a via da especulação intelectual do caminho da perfeição evangélica, trilhado por ele com admirável zelo. A esse propósito comenta Pio XI:

Como a verdadeira ciência e a piedade, que de todas as virtudes é companheira, estão entre si admiravelmente unidas; e sendo Deus a própria verdade e bondade, não bastaria, é claro, para obter a glória de Deus e a salvação das almas – objetivo principal e próprio da Igreja – que o ministros sagrados fossem bem instruídos no conhecimento das coisas, mas não fossem também abundantemente revestidos das virtudes necessárias. Ora, essa união da doutrina e da piedade, da erudição e da virtude, da verdade com a caridade, foi verdadeiramente singular no Doutor Angélico, ao qual é atribuído como símbolo o sol, pois enquanto leva às mentes a luz da ciência, acende na vontade a chama da virtude (13).

A vida do estudioso católico exige alto grau de conaturalidade com o sobrenatural, e isto obtem-se apenas pela prática séria das virtudes, de forma especial a da pureza. E como o balão, que mais se eleva quanto menos peso transporta, assim a alma contemplativa só alcançará os cumes da sabedoria se tiver o domínio sobre suas paixões. Assim nos expõe o mencionado Pontífice o ‘segredo’ da ciência de São Tomás:

Pareceu que Deus, fonte de toda a santidade e sabedoria, quisesse mostrar em Tomás como essas duas coisas se ajudam entre si, do mesmo modo que o exercício da virtude predisponha à contemplação da verdade, e por sua vez a acurada meditação da verdade faça mais puras e perfeitas as próprias virtudes. Pois quem vive de modo íntegro e puro, colocando a virtude como freio às suas paixões, como que livre de um grande impedimento, poderá muito mais facilmente elevar seu espírito às coisas celestes, fixando-se melhor nos profundos mistérios da Divindade, segundo as palavras do próprio Tomás: “primeiro está a vida, depois a doutrina; porque a vida conduz à ciência da verdade”; se o homem aplicar todo o seu estudo em conhecer as coisas que estão acima da natureza, por isso mesmo sentir-se-á muito incentivado a viver a perfeição; uma tal ciência, cuja beleza o entusiasme e a si o atraia, nunca poderá ser árida ou inerte, mas ativa num grau supremo (14). 

“Primeiro está a vida, depois a doutrina”. Que nos quis dizer o santo com essa máxima tão significativa? Tomás foi então antes santo que doutor? Cabe, pois, uma palavra final sobre alguns traços relevantes de sua vida, à luz deles poderá julgar o leitor.

Ensina-nos Santiago na sua epístola que “se alguém necessita de sabedoria, peça-a a Deus – que a todos dá liberalmente, com simplicidade e sem recriminação – e ser-lhe-á dada” (Tg 1, 5). Assim o fez São Tomás.

Seu grande e insuperável Mestre foi o Santíssimo Sacramento, diante do qual passava rezando horas inteiras, dia e noite. Freqüentemente, no momento auge da celebração da Santa Missa, ou seja, na hora da Consagração do pão e do vinho, não só o milagre da transubstanciação se realizava em suas mãos, como também, sua face se transfigurava. Chegou ele a afirmar ter aprendido muito mais junto ao Santíssimo Sacramento do que em todos os seus estudos (15) . Guilherme de Tocco, o seu primeiro e principal biógrafo, insiste em dizer que Tomás adquirira o hábito de rezar demoradamente quando tinha de vencer um obstáculo, de intervir num debate importante, de ensinar qualquer matéria mais árdua. Ele confessava assim encontrar a solução dos problemas que o torturavam. Quanto ao tempo que o comum dos homens costumam dedicar ao descanso, Tomás o reduziu a quase nada para prolongar este “Sacrum Convivium” com Jesus Eucarístico (16) . O Padre Santiago Ramirez (1975), baseando-se no processo de canonização de Santo Tomás em Nápoles, explica na sua biografia sobre o Aquinate que “Ele era o primeiro a se levantar pela noite, e ia prosternar-se diante do Santíssimo Sacramento. E quando tocavam as Matinas, antes que os religiosos formassem fila para ir ao coro, ele voltava sigilosamente para a sua cela para que ninguém notasse” (17). 

Vocação de monge mendicante

Alguns acontecimentos marcaram mais especialmente sua não longa vida. Como flor da nobreza lombarda, descendia ele dos normandos de há muitos séculos, dos quais certamente herdara sua avantajada corpulência. Devido estar localizado no feudo de sua família o mosteiro de Monte Cassino, seus pais viram com grandes esperanças a possibilidade de contar com um filho no trono abacial daquele importante bastião beneditino, e por isso facilitaram seu ingresso na mais famosa ordem religiosa da época, apesar de sua infantil idade. Entretanto, seus tenros cinco anos já o impeliam a indagar aos monges, andando pelos claustros e corredores: “Quem é Deus?” (18) .

“O homem propõe, mas Deus dispõe”, diz o ditado. Ao completar catorze anos (1239), devido às dissensões entre Frederico II e o Papa Gregório IX, os pais se viram na contingência de retirá-lo de Monte Cassino e fazê-lo viajar a Nápoles, a fim de estudar na Universidade. Neste período é que entrou em contacto com a Ordem Dominicana na germinação de sua expansão, mas já famosa nos ambientes culturais da época. Ali se revelou sua vocação às vias abertas por São Domingos. Tratava-se de uma ordem mendicante, verdadeiro horror para os padrões mundanos de então, em especial para os anseios de realização familiar de seus pais. Apesar de já ter completado dezenove anos quando ingressou oficialmente nos Dominicanos, sua mãe, Teodora, deu instruções a outros filhos seus, e determinou o seqüestro do jovem Tomás pelos seus próprios irmãos, quando este se deslocava a pé do convento romano de Santa Sabina a Bolonha.

Não durou muito sua prisão na torre de um dos castelos de sua família. Foi alimentado nesse período pelos manjares intelectuais do “Livro das Sentenças”, de Pedro Lombardo e, sobretudo, pelas Sagradas Escrituras, as quais, por sua privilegiada memória (19), numa única leitura fixaram-se para sempre em sua lembrança.

Famoso é também o episódio que teve sua origem no perverso plano elaborado e levado a cabo por seus irmãos que introduziram no castelo uma indecorosa cortesã, no intuito de seduzir o Santo; este, por sua vez, serviu-se de um tição agarrado por uma tenaz para expulsá-la do recinto. Imediatamente após, caiu o jovem num profundo sono, durante o qual viu em sonho um anjo que lhe cingia os rins, com o objetivo de confirmá-lo na virtude da castidade (20). 

Humildade no estudo

Não tardou a reintegrar-se à Ordem Dominicana, logo após ter cessado sua prisão (1245). Partiu para Paris, acompanhando seu superior geral, e em seguida para Colônia, onde foi formado por Santo Alberto Magno, ilustre doutor da universidade na qual iria receber a alcunha de “boi mudo” pelo fato de ser muito calado, evitando o buliço das discussões. Nenhuma vaidade supera a do ambiente intelectualizado. 

Entre os alunos, houve um que por conta própria assumiu a tarefa de atualizar o Santo em todas as lições, até o momento em que, não conseguindo entender a matéria que procurava explicar, ouviu de seu “aprendiz” uma tão extraordinária explicitação que se sentiu na obrigação de transmiti-la a Santo Alberto. É deste episódio que nasceu a famosa frase de Santo Alberto: “Vós o chamais ‘boi mudo’, mas eu vos garanto que seus mugidos serão ouvidos no mundo inteiro” (21). 

O apogeu de sua carreira

Sete anos mais tarde (1252), enquanto bacharel, passou a ensinar em Paris com vistas a obter o título de mestre ou doutor. Aproveitando-se das horas vagas, nessa ocasião, escreveu seus comentários ao Livro das Sentenças, como também ao Evangelho de São Mateus e a Isaías. Em 1256, já doutorado, escreveu a Suma contra os Gentios. Ao longo de nove anos (1259 a 1268), entre docência e sermões, acompanhou o Papa em seus deslocamentos pela Itália. Foi ao término desse ano que começou a escrever a Suma Teológica (22). 

Estando de novo em Paris (1269), o próprio rei da França, São Luís IX, nomeou-o seu conselheiro. É dessa época o episódio ocorrido na corte: durante um banquete real, batendo fortemente sobre a mesa, São Tomás exclamou: “Modo conclusum est contra haeresim Manichaeorum”  (23).

Fenômenos místicos

Conta-se o fato de ter ele ouvido do próprio Nosso Senhor Jesus Cristo, ao concluir um trabalho sobre a realidade ou aparência dos acidentes eucarísticos, esta afirmação: “Bem escreveste sobre o Sacramento de meu Corpo!” Algum tempo depois tornaria ouvir a mesma voz, desta vez saída de um crucifixo: “Escreveste bem sobre Mim, Tomás. Qual prêmio queres?” Ao que o santo teria respondido: “A ninguém, senão a Vós mesmo, Senhor!” (24) Célebre tornou-se também o fato místico ocorrido no ano de 1273, na cidade de Nápoles: ao celebrar a Santa Missa na festividade de São Nicolau, tomou a resolução de não continuar a redação de sua Suma Teológica. “Chegou o término de meus trabalhos. Tudo o que escrevi não é senão palha em comparação com o que me foi revelado” – disse ele (25). 

Morte exemplar

Dignas são de nota suas palavras após ter recebido o viático:

“Recebo-te, penhor do resgate da minha alma, recebo-te, viático da minha peregrinação. Por amor de ti, estudei, velei, trabalhei; preguei-te e ensinei-te. Nada disse contra ti, mas se o fiz foi sem o saber; não persisto obstinadamente nos meus juízos; se mal falei em relação a este e aos outros sacramentos, deixo tudo à correção da Santa Igreja Romana, em cuja obediência saio agora deste mundo.” (26)

Assim, embevecido na íntima união com Deus, sem nunca ter-se atribuído a si próprio qualquer mérito ou honra vã, e tendo seu espírito submisso ao Magistério Infalível, o santo doutor alcançou a glória do céu. De lá ilumina o firmamento da Igreja com sua ciência filosófica e teológica e serve de exemplo para todos aqueles que se dedicam ao estudo, conforme ensina Leão XIII em sua encíclica Aeterni Patris:

Também nisto sigamos o exemplo do Doutor Angélico, que nunca se pôs a ler e escrever sem antes se ter encomendado a Deus com seus rogos, e confessou candidamente que tudo o que sabia não tinha adquirido tanto com seu estudo e trabalho, senão que o tinha recebido de modo divino. Nesta mesma intenção roguemos todos juntos a Deus com humilde e concorde súplica, a fim de que derrame sobre todos os filhos da Igreja o espírito de ciência e entendimento e lhes abra os sentidos para entender a sabedoria (27). 

À luz dessa tão modelar despretensão de São Tomás, rogamos a Deus por intercessão de Maria Santíssima, “Sedes Sapientiae”, que a Revista Lumen Veritatis possa vir a ser um instrumento para esclarecer os espíritos e acender os corações, sabendo que “toda dádiva boa e todo dom perfeito vêm de cima: descem do Pai das luzes” (Tg 1, 17).

1. O autor é sacerdote, Fundador e Presidente Geral dos Arautos do Evangelho, membro da Sociedade Internacional São Tomás de Aquino (SITA) e fundador desta revista.
2. Sobre Alexandre Magno, cf. Gran Enciclopedia Rialp, Vol. I, Madrid: Rialp SA, 1971, p. 532-536.
3. Sobre a conduta moral de Alexandre Magno, tanto na vida privada como na sua atuação pública, a apreciação dos historiadores diverge. Alguns, como Vitor Davis Hanson, que em sua obra The Wars of the Ancient Greeks and their Invention of Western Military Culture compara esse personagem grego a Hitler, o consideram um imperialista, outros pretendem julgá-lo segundo as normas de seu próprio tempo. À luz da doutrina cristã, muito bem poderia aplicar-se àquele tirano a crítica aos desvios dos pagãos feita por São Paulo (Rm 20-32).
4. WEISS, J. B. Historia Universal, Barcelona, Tip. de la Educación, 1929, Vol. VII, p. 170.
5. PAULO VI. Lumen Ecclesiae, n. 24. Disponível em: . Acesso em: 15 jun. 2007.
6. JUAN PABLO II. Código de Derecho Canónico. Disponível em: . Acesso em: 10 jun. 2007. Tradução nossa.
7. JOÃO PAULO II. VIII Congresso Tomista Internacional. Discurso aos participantes. 13 set. 1980. Disponível em: . Acesso em: 29 jun. 2007.
8. Idem.
9. JOÃO PAULO II. Fides et Ratio, n. 43. Disponível em: . Acesso em: 21 maio 2007.
10. BENTO XVI. Ângelus. 28 jan. 2007. Disponível em: . Acesso em: 27 jul. 2007. 
11. Seguem-se as palavras pronunciadas pelo Papa João XXII: “Veneráveis Irmãos, consideramos como uma grande glória para nós e para toda a Igreja inscrever este servo de Deus no catálogo dos santos, com tanto que possamos verificar alguns milagres devidos à sua intervenção. Ele [sozinho] iluminou a Igreja mais que todos os outros doutores, e num só ano aproveita-se mais a leitura de seus escritos, como não se faria estudando durante a vida inteira a doutrina dos outros teólogos”. In: JOYAU, Charles-Anatole, O. P., Saint Thomas d’Aquin, Lyon: Librairie Générale Catholique et Classique, 1895. Tradução nossa. 
12. Cf. WEISHEIPL. James A. Tomás de Aquino. Vida, obras y doctrina. Pamplona: Universidad de Navarra S.A., 1994
13. PIO XI, Encíclica Studiorum Ducem, 29 de junho de 1923. Disponível em: http://www.vatican.va/holy_father/pius_xi/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_19230629_studiorum-ducem_it.html. Acesso em: 23 maio 2007.
14. Idem. 
15. “Sua alma entrava num comércio íntimo com Deus. Seu corpo se tornava imóvel, suas lágrimas corriam em abundância, e diversas vezes o vimos elevado da terra vários cúbitos. Era o momento no qual São Tomás adquiria os mais altos conhecimentos, encontrava infalivelmente a solução de suas dificuldades, a compreensão dos textos da Escritura, e as decisões teológicas das quais tinha necessidade. Ele mesmo confidenciou a Frei Reginaldo, seu confessor, ter aprendido mais através de suas meditações, na igreja, diante do Santíssimo Sacramento, ou em sua cela aos pés do Crucifixo, que em todos os livros por ele consultados.” JOYAU, Charles-Anatole, O. P., Saint Thomas d’Aquin, Lyon: Librairie Générale Catholique et Classique, 1895. Tradução nossa.
16. Cf. AMEAL, João. São Tomás de Aquino. Iniciação ao estudo da sua figura e da sua obra. 3ª ed. Porto: Tavares Martins, 1947, p. 131. 
17. RAMÍREZ, S.: Introducción a Tomás de Aquino, Madrid, BAC. 1975¬, p. 83-84¬.
18. CHESTERTON. G. K. Santo Tomás de Aquino: biografia. Tradução e notas de Carlos Ancele Nougué. São Paulo: LTr, 2003
19. “De fácil e penetrante engenho, de memória fácil e tenaz…, amante unicamente da verdade. Assim designa Leão XIII a São Tomás. Aqueles que o conheceram pessoalmente foram mais explícitos. Sua inteligência era rápida, profunda, equilibrada; prodigiosa sua memória; insaciável sua curiosidade, e sua laboriosidade não conhecia descanso. Compreendia com facilidade quanto lia ou ouvia, e o retinha fielmente em sua memória como no melhor fichário.” In: RODRIGUES, Vitorino. Temas-clave de humanismo cristiano. Speiro. Madrid, 1984, p. 321.
20. Cf. JOYAU, Charles-Anatole, O. P., Saint Thomas d’Aquin, Lyon: Librairie Générale Catholique et Classique, 1895, p. 77
21. Cf. AMEAL, João. Ibidem, p. 56.
22. Cf. GRABMANN, Martinho. Introdução à Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino. Vozes, Petrópolis, 1944, p. 17.
23. “Agora, está liquidada a heresia dos maniqueus” (Tocco, Vita S. Thomae, cap. XLIV). In AMEAL, João. Ibidem, p. 133.
24. Cf. NICOLAS, Marie-Joseph. Introdução à Suma Teológica. 2 ed. São Paulo: Loyola, 2003. 
25. Cf. AMEAL, João. Ibidem, p. 145.
26. Idem, ibidem, p. 154.
27. LEÓN XIII, Encíclica Aeterni Patris, 4 de agosto de 1879. Disponível em: http://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_04081879_aeterni-patris_sp.html. Acesso em: 23 maio 2007. Tradução nossa.

Posted in Lumen Veritatis - N. 1 - Outubro/Dezembro 2007 | Leave a comment

Aproximación al contexto de la Teología de la Gracia en Santo Tomás

Segundo Pérez López (1)

Resumo

Este artículo traza la trayectoria de la doctrina sobre la Gracia, desde San Agustín hasta la Escolástica, principalmente con Santo Tomás. Enfoca el aspecto antropológico del problema de la Gracia tratado por el Obispo de Hipona como regeneradora del corazón dividido por el pecado, en oposición al naturalismo pelagiano. Muestra la visión antropológica sobrenatural del Doctor Angélico, que proporciona una visión científica – aristotélica – del hombre perfeccionada por la gracia: Es el ser humano en cuanto imagen creatural de Dios que pasa a ser asumido por la gracia, tornándose hijo y amigo de su Creador. Por último se explican las consecuencias del voluntarismo “scottiano” en la doctrina de la gracia. 

Abstract

This article outlines the trajectory of doctrine concerning grace, from St. Augustine to the Scholastics, principally that of St. Thomas. It focuses on the anthropological aspect of the problem of Grace treated of by the Bishop of Hippo as a regenerator of the heart divided by sin, in opposition to Pelagian naturalism. It demonstrates the supernatural anthropologic vision of the Angelic Doctor, which affords a scientific vision – aristotelic – of man perfected by grace; the human being as a created image of God which is assumed by grace, becoming son and friend of his Creator. Finally, the consequences of “scottian” voluntarism in the doctrine of grace are explained.

Introducción

El pensamiento de Santo Tomás de Aquino (2) es el punto de referencia obligado para la comprensión filosófica del humanismo, como base y punto de encuentro de toda promoción del hombre; el humanismo cristiano, que tiene sus características peculiares, mantiene la pretensión de ser el humanismo más integral; y, dentro de él, el humanismo tomista, que implica un estilo de pensar y concebir al hombre en la perspectiva de Santo Tomás (3) .

Son como tres dimensiones llamadas a fundirse en una sola perspectiva, aportada por la filosofía y la teología tomista. Santo Tomás es el arquitecto que elabora una antropología, desde las exigencias de una ontología, y a la luz de una teología, desde la cual el hombre, en su profunda realidad, es imago Dei, síntesis del universo, y en definitiva es un proyecto de Dios (4) . La perspectiva tomista se revela como la verdad toda entera sobre el hombre. El proyecto de Dios sobre el hombre comienza su realización en el primer hombre, y llega a su plenitud en el hombre Jesús de Nazaret, que es hombre verdadero y Dios verdadero (5) . Para Tomás todo hombre está llamado a realizarse en plenitud, pero esto no lo logra sino en la medida en que se conforma con Jesucristo, del cual se dice con toda verdad: Ecce homo (Jn, 19,5).

El humanismo se revela un tema central, en el cual confluyen todos los problemas de la antropología. Es un tema urgente, candente, porque el hombre actual está en peligro. Apenas sin advertirlo ha llegado a una situación inhumana, porque pierde su alma, olvida su identidad, y va errante por sendas extraviadas (6) . En definitiva, el tema del humanismo es el dilema de Hamlet, ser o no-ser del hombre.

El humanismo cristiano no puede resignarse a ser tenido como uno más entre los muchos, ni contentarse con correr paralelo a los diversos humanismos, porque mantiene su convicción de estar llamado a ser el humanismo capaz de integrar todo lo que implica la humanidad del hombre, la verdad toda entera sobre el hombre, es decir el humanismo en sentido pleno (7) .

1. Antecedentes: La Teología de la gracia como antropología

La teología latina de la gracia es antropológica y de carácter personal subjetivo. En occidente, desde S. Agustín, se produce una reducción antropológica en la forma de enfocar el misterio de la gracia y, dentro de esta línea, estudia principalmente la regeneración interior del hombre pecador. La gracia se considera una ayuda, una medicina, un impulso a favor de la libertad humana. Por primera vez el hombre comienza a preguntarse el qué de la gracia y por las razones de su necesidad. Al mismo tiempo se insiste cada vez más en la gratuidad de la salvación. Anteriormente no se presentó ningún conflicto teórico ni práctico entre el “ser hombre” y “ser salvados en Cristo” por gracia, en esta última se veía la perfección de la misma libertad humana. Ahora el binomio gracia-libertad se hace problemático. Desde un punto de vista psicológico comienza a preocupar la pregunta ¿qué puede hacer la libertad humana con o sin la gracia? Siempre con vistas a la salvación. Las respuestas son contrapuestas y se inicia un movimiento dialéctico en la historia del tratado (8) .

Los autores que describen la patrística oriental como inspirada en la teología de San Juan, explican la corriente latina como derivación de S. Pablo. Y fijándose en los distintos aspectos de la gracia, hablan en nuestro caso de una gracia “sanante” en relación a la gracia “elevante” que desarrollaría la teología oriental (9).

En Occidente la teología de la gracia queda prácticamente configurada en el pensamiento de S. Agustín: es el gran Maestro de la Antigüedad sobre estos temas. Su figura, incluso, será durante muchos siglos bandera disputada en este campo por unos y otros. El “sistema” agustiniano de la gracia -si podemos llamarlo así- surgió circunstancialmente como respuesta teológica al Pelagianismo y Semipelagianismo. Es necesaria, pues, una alusión a los mismos como clave interpretativa de la doctrina de S. Agustín, como preludio de toda la teología occidental. Santo Tomás sabrá enhebrar magistralmente esta tradición agustiniana con la metodología aristotélica (10).

2. El naturalismo religioso de Pelagio

Con el nombre de Pelagianismo designa la teología una posición herética dentro del círculo de problemas de la gracia y la libertad, El movimiento se remonta al monje británico Pelagio, que hacia el 400 inculcó en Roma una rigurosa espiritualidad bíblica con fuerte rasgo voluntarista (11) . Su doctrina fue difundida por sus discípulos Celestio y Julián de Eclano. En la controversia con el Pelagianismo, cuyos detalles históricos no podemos exponer aquí, el papel decisivo correspondió a Agustín (12). El estudio del Pelagianismo interesa no tanto como suceso histórico, cuanto como manera de concebir la libertad del hombre y la gracia.

El Pelagianismo es un movimiento naturalista desde el punto de vista religioso, aun dentro de su aparente ortodoxia cristiana. Pelagio apoyándose en algunos textos del mismo Pablo sobre el poder de la libertad del hombre y de la gracia propugna una especie de estoicismo cristiano. Los historiadores del dogma ven en el Pelagianismo el fruto de un moralismo rigorista o la consecuencia de la reacción contra el fatalismo maniqueo. Pero quizás se explique por si mismo: el cristianismo de todos los tiempos está constantemente tentado por la fascinación que supone construirse el propio destino por encima de cualquier recurso a lo trascendente, y de la lógica objetiva del bien y del mal. Desde este punto de vista la herejía pelagiana no sería más que una cristalización histórica de la constante naturalista del espíritu humano.

Los principales puntos doctrinales del pensamiento pelagiano son los siguientes:

a.- La verdadera gracia que Dios ha dado al hombre es su libertad. Una vez recibido el don del libre albedrío, es asunto del hombre usar de él rectamente. Como él es responsable de toda su situación, no hay santidad a la que no pueda llegar, si tiene el valor de quererlo. Julián de Eclano dirá que por la libertad el hombre es “autónomo”, incluso frente a Dios.

b.- El hombre goza de un perfecto equilibrio moral, y el cambio, introducido por el pecado, no afecta a su naturaleza, sino a su mérito. El pecado original fue un asunto exclusivamente personal de Adán que para nada influye en sus hijos; Adán fue un padre poco ejemplar, pero sin mayor trascendencia. El hombre fue creado por Dios, así mortal y con su concupiscencia. Cuando peca se hace culpable de su mala acción; perdonada ésta, vuelve a su perfecto estado, sin ninguna inclinación morbosa hacia el mal o debilitación de las fuerzas de su libertad. La ética pelagiana lleva en sí el germen de un idealismo moral rígido y exigente.

c.- Para la rectitud moral y la misma santidad no se requiere, pues, ningún influjo interior de la gracia. El Evangelio sólo ayuda a cumplir mejor los mandamientos divinos y la ley natural; facilita, no posibilita, Es un absurdo o una humillación indebida pedir a Dios mediante la oración la propia regeneración. Esto es cosa nuestra. La única gracia propiamente dicha es el perdón de los pecados, en cuanto el hombre es responsable de los mismos y no existe excusa alguna que disminuya la responsabilidad humana ante Dios; pero aun el perdón divino el hombre lo puede conseguir por la penitencia.

3. S. Agustín o el “poder” de la gracia

La afirmación fundamental de la libertad del hombre, como un poder propio, sin duda creado, pero plenamente autónomo, que por sí solo es capaz de cumplir la ley de Dios, provocó la intervención de Agustín, pues semejante tesis venía a negar la necesidad de la gracia para un cumplimiento natural y salvífico de la ley moral, y no tenía en cuenta la doctrina del pecado original y sus consecuencias.

En occidente, antes de que pudiera realizarse una formulación ecuánime sobre la gracia, Pelagio desvió la atención hacia un planteamiento herético de tipo subjetivista: ¿qué puede hacer el hombre por sí mismo y por la gracia? S. Agustín (354-430) piensa y escribe condicionado por la controversia pelagiana. De este modo la teología de la gracia, evolucionó hacia una teología psicológica. De ahí que la teología agustiniana de la gracia sea poco sistemática y compleja (13) , pero pueden distinguirse algunas líneas maestras que la configuran profundamente:

a.- La parte que corresponde a Dios y la parte que corresponde al hombre en la salvación, y la armonía entre la gracia y la libertad forman el núcleo central de la doctrina de Agustín (14).

El hombre, a consecuencia de Adán (15) , apartado de Dios, es incapaz por si mismo de resolver el gran conflicto entre la carne y el espíritu. La voluntad está dominada por el mal de tal manera que le es imposible al hombre realizar el bien aunque lo desee, si no lo libera la gracia de Cristo. La humanidad, por el pecado de origen y los pecados personales, es como una “masa sin remedio” (massa damnata), objeto de condenación. De la condición del hombre antes del pecado sólo queda una ligera noción de lo que es bueno y un deseo insaciable del bien (16) . La voluntad libre que Adán poseía antes de la caída y por la que podía realizar siempre el bien desapareció con el pecado. ¿Puede el hombre, en estas condiciones, obtener por sí mismo la salvación? Sólo por la gracia de Dios, responde Agustín en contra de Pelagio (17) .

Dios ofrece por su misericordia al hombre la posibilidad de salvarse. Esta es su gracia. Ante ella el hombre no está en situación de indiferencia, como si de él sólo dependiera aceptarla por la fe o rechazarla. Si así fuera, todo dependería en último término del hombre, y no de Dios. El hecho mismo de que el hombre acepte la gracia divina es obra de la misma gracia (gratia operans, gratia preveniens).

b.- La gracia significa algo distinto en Agustín y en Pelagio. Para Agustín no coincide con la libertad humana, ni es una ayuda exterior al hombre, sino un impulso interior divino que lo sana y lo eleva, que le da la misma posibilidad de querer y realizar el bien. “Dios -decía Pelagio- me ha dado la existencia; y es asunto mío obrar rectamente”. Agustín responde que la gracia en el sentido auténtico es otra cosa, es la ayuda interior por la que Dios mismo obra en lo íntimo de nuestra libertad para que usemos bien de ella. Agustín cita contra él las palabras de Juan 15,5: “Sin mí nada podéis hacer”, y comenta: “Cristo no dijo: “Sin mí difícilmente podréis hacer”, sino “Sin mí no podéis hacer nada”. Para apoyar su tesis, Agustín, recurre a múltiples textos de la Escritura: Dios tiene en su mano el corazón del rey (Prov 21,5); nos da el querer y el hacer (Flp 2,12-13); todo buen pensamiento, todo piadoso deseo (2Cor 3,5) y, con más razón, una larga perseverancia en el bien, son dones de la gracia.

c.- Lo gratuito es, pues, lo más necesario para el hombre. El hombre por su pecado (en Adán o personal) se ha colocado en una situación trágica: necesita de Dios, pero por el pecado ha roto su relación con El; ahora no puede esperar más que Dios tenga misericordia. Según los pelagianos, algunos hombres pueden vivir sin pecado. Agustín, en cambio, apoyándose en Pablo, confiesa su miseria y se encomienda a la misericordia divina.

d.- La gracia divina tiene también un aspecto “cooperante” (gratia cooperans). La acción de Dios no acaba con la justificación del pecador. La concupiscencia humana se deja siempre sentir y sigue siendo necesaria la gracia divina hasta la última hora del hombre, porque el pecado nunca queda plenamente superado en esta vida. El hombre justificado, sin embargo, debe colaborar con esa gracia porque sigue siendo cierto que “Dios que nos hizo sin nosotros, no nos salvará sin nosotros”. Esta cooperación no es “sinergismo”, ya que en el plano de la salvación todo depende de Dios. Pero la libertad humana, por ser una realidad positiva, está llamada a colaborar y puede afirmarse que toda acción buena es mérito mío. Lo último ha de entenderse de este modo: sin dejar yo de ser responsable de mis obras, ellas son un don que Dios me hace; sólo el pecado me constituye en causa primera, pero el pecado es la nada en el plano moral. “Cuando Dios premia nuestros méritos, no hace más que premiar sus propios dones” (18) .

e.- Dios finalmente, no pide al hombre cosas imposibles, sino que, ordenando nos amonesta que hagamos lo que podamos con nuestras fuerzas y pidamos lo que no llegamos a alcanzar  (19). La oración es, pues, parte integrante de la vida cristiana.

4. Reconocimiento eclesial de la doctrina de Agustín (20)

El pelagianismo fue condenado por la Iglesia en una carta-circular (epístola tractoria) del Papa Zósimo I (c. Junio-Agosto 418) a las Iglesias de Oriente. En ella se daba valor universal a varios cánones del Concilio de Cartago (mayo del 418) que recogían los principales capítulos de la doctrina agustiniana contra los pelagianos (21) . Tres son los cánones célebres de Cartago sobre la doctrina de la gracia que recoge la carta del Papa:

Canon 3º: La gracia de Cristo es necesaria no sólo para el perdón de los pecados, sino también para poder evitarlos (DS 225).

Canon 4º: La gracia no consiste únicamente en dar luz a la inteligencia del hombre, sino que transforma la voluntad y capacita al hombre para obrar lo que Dios manda (DS 225).

Canon 5º: La gracia no da sólo facilidad de cumplir los mandamientos, sino la posibilidad misma de cumplir (DS 227).
Otros cánones hablan de la realidad del pecado en el hombre y de como hasta el justo es incapaz de mantenerse libre de pecado; por ello decir “perdónanos nuestras ofendas” no es falsa humildad sino confesar la realidad verdadera que somos.

5. La Edad Media o la sistematización teológica de la gracia

La Escolástica marca una etapa decisiva en la estructuración del pensamiento teológico de la gracia. La doctrina católica adquirió desde este momento su nota abiertamente antropológica cuando la metafísica, la ética y la psicología de Aristóteles pasaron a ser la base para el desarrollo de los problemas teológicos en algunas de las más importantes Escuelas. La herencia de Agustín se deja sentir, sin embargo, con gran fuerza en esta época: con Godescalco (s. IX) se agudiza de nuevo el problema del predestinacionismo y Anselmo de Canterbury (1304-1109) en su célebre “Cur Deus homo?” sigue definiendo la gracia como “auxilio” divino a la libertad humana para poder merecer la salvación eterna (22) .

6. Un nuevo modo de hacer Teología.

Cabe señalar algunos aspectos comunes a toda esta etapa teológica: 

a.- Nacimiento de una “teología científica”: asistimos a un proceso de sistematización conceptual y a un incipiente agrupamiento de temas por Tratados. Se introduce la “quaestio” (interrogación sobre un punto particular y concreto) como método analítico para llegar a la raíz de los problemas con la consiguiente división y subdivisión de aspectos. Este hecho ha suscitado la sospecha de una preterición de presupuestos genéricos que no pueden faltar a la hora de dar una visión de conjunto. Pero aquí habría que recurrir al principio metodológico formulado por J. Maritain: “distinguir para unir”. Agotados por un excesivo análisis, no se ha captado a veces la síntesis doctrinal en que desembocan las deducciones de los grandes maestros medievales.

b.- En teología de la gracia se da una reducción metafísica de los problemas, sobre todo en la escuela Tomista, dando lugar a una teología más bien esencialista: describe más el qué que el para qué, o el cómo. Respecto a las virtudes, especialmente la teología de la fe, la Escolástica evoluciona hacia una psicología dogmática de las mismas.

c.- El Aristotelismo que pasa a ser la base cultural de la expresión teológica primeramente entre los dominicos (Sto. Tomás y su escuela), pero, desde el año 1280 aproximadamente, en especial desde Juan Duns Escoto, también entre los franciscanos, que a partir de entonces expusieron su teología de tendencia agustiniana con categorías y principios aristotélicos. La influencia de Aristóteles desplaza la atención hacia lo noético (comprensión de las verdades de la fe) desplazando un poco el centro de gravedad de lo salvífico.

d.- Se elaboran los primeros compendios de la teología, cuyos ejemplares más perfeccionados son las llamadas “Sumas teológicas”, comparadas en su campo con lo que en la arquitectura medieval son las catedrales románicas o góticas (23).

e.- Existe un pluralismo de escuelas o tendencias teológicas que según su variedad o pluriformidad enriquecen el panorama cultural, favoreciendo una expresión de libertad en el saber teológico. Las Escuelas cumplieron una misión importante mientras fueron “creadoras”, decayó su influencia, o incluso fue regresiva, cuando se enzarzaron en controversias inútiles y de interpretación sutil.

7. Una antropología sobrenatural.

Se parte de un presupuesto indiscutible, incluso como factor cultural, el de la “homogeneidad” entre lo creatural y lo divino (analogía entis): lo divino es luz indiscutible para lo humano y desde lo creatural puede el hombre remontarse hasta Dios como desde el efecto podemos individuar su causa. Se acepta lo natural (natura) como algo autónomo, incluso frente a la gracia. El equilibrio doctrinal es lo que caracteriza a las grandes síntesis ideológicas de la escolástica: equilibrio entre espíritu y materia a nivel de naturaleza (hilemorfismo) y el equilibrio entre libertad y gracia, natural y sobrenatural (el estado de gracia como sobre-naturaleza). La gracia tiende a reintegrar y perfeccionar la naturaleza, no como un factor rival a esta última. Sto. Tomas la define como “estado (habitus entitativus) sobrenatural del alma humana” (24) y la escuela franciscana la identifica con la virtud (habitus operativus) de la caridad. Todos ellos coinciden en darle un significado antropológico y “creado” en oposición a teorías anteriores, como la del mismo Pedro Lombardo, según las cuales la gracia no es otra cosa que el Espíritu de Dios que habita en nosotros (25) . Esta gracia actúa en el hombre a semejanza de la causa formal (ad modun causae formalis), y, por ser de origen divino, es ya un comienzo de vida futura (inchoatio gloriae). La salvación consiste, pues, en un cambio óntico (gracia) y psicológico (virtudes) movido desde dentro por la acción de Dios, dando lugar a un estado permanente de amistad con Él (26).

Santo Tomás distingue dos fines en el hombre: un fin natural y otro sobrenatural. Así, el bien último, según la consideración del filósofo, difiere del bien último según la consideración del teólogo, puesto que el filósofo considera el bien último que es proporcionado al ser humano, el teólogo considera como bien último algo que sobrepasa el poder de la naturaleza, a saber, la vida eterna.

El ser humano concreto fue creado por Dios para un fin sobrenatural, para la felicidad perfecta, que solamente es alcanzable en la vida futura, en la visión de Dios, y que es, además, inalcanzable por el hombre si sus propias fuerzas naturales no reciben ayuda. Pero el hombre puede alcanzar una felicidad imperfecta en esta vida mediante el ejercicio de sus capacidades naturales, mediante un conocimiento filosófico de Dios obtenido a partir de las criaturas, y mediante el logro y el ejercicio de las virtudes naturales. Esos fines no se excluyen mutuamente, puesto que el hombre puede alcanzar la felicidad imperfecta en que consiste su fin natural sin salir por eso del camino hacia su fin sobrenatural; el fin natural, la felicidad imperfecta, es proporcionado a la naturaleza y fuerzas humanas; pero, por cuanto el hombre ha sido creado para un fin sobrenatural, el fin natural no puede satisfacerle.

El hombre tiene un fin último, la beatitud sobrenatural, pero la existencia de ese fin, que trasciende los poderes de la mera naturaleza humana, aun cuando el hombre fuese creado para alcanzarlo, no puede ser conocida por la razón natural; y, por lo tanto, no puede ser adivinada por el filósofo: su consideración queda reservada al teólogo.

Así, puede decirse que el filósofo considera el fin del hombre en la medida en que dicho fin puede ser conocido por la razón humana; es decir, sólo de un modo imperfecto e incompleto. Pero tanto el filósofo como el teólogo consideran al hombre en concreto: la diferencia está en que el filósofo, aunque capaz de ver y considerar la naturaleza humana como tal, no puede descubrir todo lo que hay en el hombre, no puede descubrir la vocación sobrenatural de éste; solamente puede hacer parte del camino en el descubrimiento del destino del hombre, precisamente porque el hombre fue creado para un fin que trasciende los poderes de su naturaleza (27).

8. Tomás de Aquino o el sentido cristiano de la naturaleza autónoma.

Las distintas posturas, moderadas unas y conflictivas otras, que se desarrollaron desde San Agustín a la escolástica encuentran el equilibrio en la doctrina del Aquinate.

Se exponen a continuación algunas de las líneas más fundamentales de la teología tomista de la gracia. Dos razones nos mueven a ello: su representatividad y su influencia posterior en la teología católica. Santo Tomás (1224-1274), gran conocedor de S. Pablo y de S. Agustín, formula su doctrina sobre la gracia, lo mismo que toda su teología, desde unas bases aristotélicas. Su postura, sin embargo, es de honda fidelidad a la herencia agustiniana (primacía de la gracia) y de profundo respeto por la naturaleza como realidad autónoma. El resultado fue una percepción más adecuada del sentido de lo natural, obscurecido un tanto en Agustín, y al mismo tiempo un calibrar mejor lo sobrenatural (28).

a.- Define al hombre como imagen creatural de Dios, en cuanto por sus actos libres (conocimiento y amor) puede tender a su fin último que es Dios mismo. La realización del fin último, por ser este sobrenatural, es efecto de la gracia divina con la cual debe colaborar activamente la libertad. De todas formas el hombre, como naturaleza, no es totalmente extraño a la gracia en cuanto posee ya una “potencia obediencial” hacia ella, un deseo natural e innato de “ver” a Dios: existe realmente en el hombre una “afinidad” con lo sobrenatural.

b.- La gracia, por ello, no destruye ni anula los valores de la naturaleza libre del hombre; al contrario, sana y perfecciona. El hombre debe llegar a la salvación hacia la que apunta la gracia por la libertad. Sto. Tomás somete por ello los actos humanos a un extenso análisis preguntándose por los principios intrínsecos y extrínsecos, naturales y sobre naturales de los mismos. En esta línea es como Sto. Tomás habla de la gracia como realidad interna sobrenatural que califica los actos libres “en orden a Dios” (habitus supernaturalis)29 , principio estable de la acción recta y salvífica, dado por Dios al hombre para su salvación (30) . Tomás de Aquino entiende normalmente la gracia como don creado en el hombre, sobre todo en sentido habitual. Desde este momento la gracia se entenderá fundamentalmente así en la teología católica.

c.- ¿Cómo llega el hombre pecador a la salvación de la gracia divina? Mediante su obediencia a la Ley nueva del Evangelio: la fe. Dos aspectos integran la ley nueva: un principal, la gracia del Espíritu Santo que se nos da interiormente; otro secundario, los documentos de la fe y los preceptos que regulan los actos humanos. La ley nueva justifica únicamente el primer aspecto (31) .

d.- El deseo de gracia en el hombre se inaugura con la justificación, que Sto. Tomás define como el paso del pecado a la justicia. La justificación coincide con el perdón de los pecados (32) . Para la justificación es absolutamente necesaria una conversión psicológica, por la que el pecador comienza a amar a Dios sobre todas las cosas con amor de caridad. Normalmente el hombre va llegando progresivamente a esta conversión: el pecador adulto pasa de la fe muerta al temor servil, a la esperanza, al deseo de la salvación, hasta llegar a la caridad perfecta (33) . Tomás de Aquino llegó progresivamente a comprender que ni siquiera el primer acto hacia la conversión puede ser puesto por el hombre con las solas fuerzas naturales, sino que es efecto de la gratuita misericordia divina. En efecto, Dios no ama al hombre porque el hombre sea ya justo, sino que lo ama haciéndolo justo: en esto consiste la diferencia entre el amor creatural y el amor divino. Por eso, cuando Dios acoge al pecador, no solamente no le imputa el pecado, ni tampoco hace que su acto pecaminoso se convierta en no-hecho (lo cual es absurdo), sino que, amándolo paternalmente lo regenera a la vida filial (34). Esta regeneración se lleva a cabo en el momento de la justificación, cuando Dios infunde en el hombre un principio interior permanente de vida nueva, la gracia santificante y las virtudes. La justificación del pecador se resuelve, pues, originariamente en la infusión de la gracia “ya que por ella se mueve el libre albedrío hacia Dios y se perdona la culpa”  (35).

e.- La gracia establecida en el hombre por la justificación actúa en él (su justicia, su bondad, su santidad) no como causa eficiente, es decir como principio totalmente distinto del hombre y con poder creativo (este principio siempre es Dios) sino como causa formal (ad modum formae), como principio interior, unido vital, aunque accidentalmente, al hombre. La gracia santificante es como un principio dinámico que estimula desde dentro el desarrollo pleno del hombre (36) .

El hombre es un compuesto de alma y cuerpo, pero el alma no es la mera forma del cuerpo, que perece con él; es su forma, pero le da además el ser y la individualidad: el hombre existe y es individuo por el alma, principio de vida vegetativa, sensitiva e intelectual; cada alma posee, a diferencia de lo que sostenían Averroes y Avicena, su propio entendimiento agente y su entendimiento posible; cada alma es por lo mismo depositaria de su propia inmortalidad (37) .

Para percibir el desarrollo posterior, del equilibrio formulado por Santo Tomás, nos paramos en dos movimientos que darán pié a la ruptura de ese equilibrio: el Voluntarismo y el nominalismo. Hacemos unas someras indicaciones para dar contexto a estas breves consideraciones acerca del pensamiento de Santo Tomás sobre la gracia.

9. El voluntarismo dogmático de Duns Escoto.

En Juan Duns Escoto (1274-1308) encontramos una explicación de la justificación, y por tanto del estado de gracia, desde el punto de vista de la absoluta libertad de Dios y no tanto desde el punto de vista de la antropología. Con este enfoque, en una línea más claramente agustiniana, se pretende salvar a un mismo tiempo la inmanencia y la trascendencia de lo sobrenatural. Se rehuye la reducción de la gracia a un fenómeno de la naturaleza (aunque no sea en propiedad de la naturaleza), sometida a los postulados de la ley natural. Al mismo tiempo no se ignora que la gracia es dada por Dios para salvar la naturaleza. Escoto, fijándose en el primer postulado de trascendencia, habla de una “potencia absoluta de Dios”: Dios no puede quedar atado a lo creatural; Él -en una afirmación límite de su omnipotencia- podría introducir en la vida eterna a hombres que no tuvieran la gracia y la caridad (no olvidar que en este momento ambas se entienden como cualidades creadas del alma), aceptando sus obras naturales; y, al contrario, podría excluir de la visión celeste a las almas adornadas con ellas. LA revelación, sin embargo, nos habla de un plan histórico de salvación divina, es decir de una “potencia ordenada”: en ella sabemos que Dios sólo admite en su reino a los que están en posesión de la caridad, y Dios es fiel en sus decisiones. Pero lo que interesa recalcar aquí es que, para Escoto, lo fundamental de la justificación está en la aceptación divina; de aquí el nombre de voluntarismo que se ha dado a su sistema teológico. Dios salva eligiendo y no tanto en fuerza de una preparación humana o cualidad poseída sino por beneplácito divino (38).

La gracia para Escoto no justifica – como para Tomás de Aquino – como cualidad real en el alma, sino en virtud de una aceptación o “decreto” divino. Se introduce así una disociación entre naturaleza y gracia y una apreciación de esta última como algo exterior al hombre (39) . Se está abriendo una brecha entre naturaleza y gracia que traerá consecuencias graves para la teología católica.

10. Difícil equilibrio entre naturaleza y gracia: el nominalismo teológico.

En los siglos XIV y XV se da un progresivo distanciamiento entre la teología dogmática, siempre más intelectualística y abstracta, y la teología espiritual, que toma una dirección pietista y subjetivista, falseando en cierto modo el concepto de sobrenatural. Paralelamente, y a nivel ya de la vida cristiana, surgen dos tendencias opuestas, la espiritualista, representada por el florecimiento de los místicos renanos y flamencos (Alemania y Países Bajos) 40 , y, como reacción a la anterior, una tendencia naturalista de resonancias criptopelagianas.

La teología escolástica, alejándose cada vez más de las grandes síntesis del siglo anterior, parte de una base “voluntarista” para explicar las relaciones entre naturaleza y gracia. Los teólogos más representativos de esta época son G. de Ockam (1300-1349) y G. Biel (1425-1495). Por cierto paralelismo con la filosofía, a esta época se le ha llamado también “etapa nominalista”  (41).

Teológicamente considerado, el Nominalismo rompe el equilibrio medieval que consideraba lo mundano como reflejo de Dios (42) . Es un paso más hacia el hombre autónomo y secular. Como antropología teológica lleva hasta las últimas consecuencias la tendencia voluntarista ideando un sobrenatural sofisticado, basado en la trascendencia absoluta de Dios que puede libremente salvar prescindiendo incluso de lo que el hombre haga. Los lazos entre naturaleza y gracia quedan así definitivamente rotos. Únicamente la fe puede dar valor a nuestras afirmaciones sobre Dios. La moral no responde a una ley natural sino a la voluntad de Dios: sólo porque Dios quiere una cosa es buena o mala. Esto no reduce el campo responsable de nuestra libertad; todo lo contrario. Los actos humanos, aun los puramente naturales, podrían haber merecido la gloria, si Dios lo hubiera dispuesto así (43). La gracia, que coincide con la aceptación de Dios, es una condición, no la realidad que da entidad salvífica a los actos humanos; estos de por sí (en hipótesis) son perfectos, rectos y meritorios.

Esta postura encubre el desarrollo de una “utopía” humana: definir al hombre como autónomo respecto a Dios. En hipótesis se mantiene la idea de un hombre autosuficiente, aunque en la práctica, porque Dios lo ha querido así, deba salvarse por gracia. La gracia en este caso no deja de ser un elemento puramente exterior al hombre: la aceptación de Dios (44).

La teología nominalista ha preparado en cierto modo la doctrina luterana de la justificación. Lutero mantuvo esta concepción nominalista sobre la trascendencia y libertad de Dios, que puede justificar al hombre sin la infusión de sus dones sobrenaturales. Por otra parte, supo darse cuenta de que era imposible explicar la justificación poniendo en primera línea los actos naturales del hombre sin caer en el pelagianismo. Por ello reaccionó violentamente contra esta teología que ponía las obras humanas (según la voluntad ordenada de Dios) como motivo de salvación. Su postura fue radicalmente clara: si la justificación es un acto del Dios trascendente, la justicia no puede ser del hombre bajo ningún título sino justicia divina imputada al hombre por los méritos de Cristo (justificación forense) 45 .

Sólo la comprensión del humanismo cristiano, desde los postulados formulados por Santo Tomás, nos permite mantener el equilibrio entre naturaleza y gracia, que es realmente el problema nuclear de todo quehacer teológico hoy y siempre (46) .

1. Doctor en Teología por la Pontificia Universidad de Salamanca y Director del Instituto Teológico Compostelano
2. Para una primera aproximación a nuestro autor puede consultarse con provecho la obra de J. P. TORRELL, Iniciación a Tomás de Aquino. Su persona y su obra, EUNSA, Pamplona 2002; también sigue siendo útil la obra de J. MARITAIN, De Bergson a Santo Tomás de Aquino. Ensayos de metafísica y de moral, Buenos Aires 1946; un aportación muy valiosa en este sentido es la de A, LOBATO, “afirmación de Dios, confirmación del hombre”, en El ateismo actual y la trascendencia divina. Tercer congreso Mundial de Filosofía Cristiana, Quito 1991, vol. II pp. 23-51.
3. Una de las mejores introducciones al pensamiento de Santo Tomás sigue siendo la de F. COPLESTON. El pensamiento de Santo Tomás, Fondo de Cultura Económica, México, D. F.1960; puede verse así mismo la obra clásica de E. GILSON, El tomismo. Introducción a la filosofía de Santo Tomás de Aquino. Ediciones Universidad de Navarra, Pamplona 1987; cf. así mismo el magnífico trabajo de A. LOBATO, “La humanidad del hombre en Santo Tomás de Aquino”, en AA.VV., San Tommaso d´Aquino Doctor Humanitatis. Atti del Convegno Tomistico Internazionale, Città del Vaticano 1991, vol. I, pp. 51-82. 
4. Summa Theologica, I, 75-102.
5. Ibid., III, 1
6. Cf. J. M. ROVIRA BELLOSO, “Existencia cristiana y realización humana”, en AAVV., Creí por eso hablé: retos para la transmisión de la fe, Santiago de Compostela 2007, pp. 71-87.
7. Cf. la obra de J. L. RUÍZ DE LA PEÑA, Crisis y apología de la fe. Evangelio y nuevo milenio, Santander 1995; una visión sintética de la situación actual en Ibíd., Las nuevas antropologías, Santander 1978; cf. la obra, con diversas aportaciones editada por A. LOBATO, El pensamiento de Santo Tomás de Aquino para el hombre de hoy 1-3, Valencia 1994. 
8. Una aproximación sintética a la doctrina de los Padres podemos verla en las obras siguientes: J. M. ARRONIZ, La salvación de la carne en S. Ireneo, Scriptorium. Victoriense 12 (1965) pp.7-29; P. GALIER, Le Saint-Espirit en nous d´apres le Péres grecs, Roma, 1946; J GROSS, La divinisation du chrétien chez les Pères grecs, París, 1970; A. ORBE, El hombre ideal en la teología de San Ireneo, Gregorianum 43 (1962), pp. 449-491; Antropología de S. Irineo, Madrid, BAC, 1969, pp. 89-148; G. PHILIPS, La grâce chez les Orientaux, Ephemerides Teolhogicae Lovaniensis, 48 (1972) 46-54; F. VERNET, Irenee, en DTC, VII, 2394-2533.
9. Cf. la obra de A. ORBE, Introducción a la Teología de los siglos II y III, Salamanca 1988, pp. 186 ss.
10. Ch. BAUMGARTNER, La gracia de Cristo, Barcelona 1968, pp. 64-99; A. LUNEAL, L´histoire du salut chez les Pères de l´Eglise, Paris, 1965; J. H. NICOLAS, Les profundeurs de la grace, Paris, 1969, pp. 54-71; H. RONDET, La gracia de Cristo, Barcelona 1966 pp. 63-135; A. VALSECCHI, Lettera e spirito nella legge nuova: linea di teologia patriótica, La scuola cattolica 92 (1964) pp. 483-516; también la obra de J. AUER-J. RATZINGER, El Evangelio de la Gracia, Barcelona 1975, pp. 24 ss.
11. Obras de Pelagio: Comentario a las cartas de S. Pablo, De natura, De Libero arbitrio, Carta a Demetríades, Libellus fidei al Papa Inocencio I. Hemos de advertir que la mayoría de estas obras se han perdido y por tanto la doctrina pelagiana nos ha llegado a través de los escritos de sus adversarios.
12. Sacramentum Mundi vol., V, pp. 379-383. El propagador de la doctrina pelagiana en África fue Celestio, abogado romano con gran dominio de la palabra. Julián de Eclano fue el que dio tesitura teológica al movimiento.
13. Escritos de Agustín contra los Pelagianos: De peccatorum meritis et remissione et de baptismo parvulorum (tres libros, año 411), De spiritu et littera (412), De natura et gracia (413-415), De perfectione iustitiae hominis (415-416), De gestiis Pelagii (417), De gratia Christi et de peccato originali (dos libros, 418), De nuptiis et concupiscentia (dos libros, 419-421), De anima et eius origine (4 libros, 421), Contra Iulianum (6 libros, 422), Contra secundam Iulani imperfectum opus (6 libros, 429-430). Gran parte de estas obras se encuentran publicadas en edición bilingüe en los tomos VI y IX de las Obras de S. Agustín de la colección BAC normal nºs 50 y 79
14. FORTMAN, Teología del hombre y de la gracia, p. 181.
15. Según A. Vannesta y D. Fernández la expresión “pecado original” proviene de S. Agustín (D. Fernández, El pecado original, p. 44)
16. “Nos has creado para ti, Señor, y nuestro corazón está inquieto hasta que descanse en ti”. Agustín, una vez convertido, se opuso enérgicamente al dualismo metafísico del maniqueísmo. La naturaleza del hombre no es esencialmente mala, sino viciada por el pecado.
17. “Si a mi me preguntan si el hombre puede hallarse sin pecado en esta vida, responderé que puede con la gracia de Dios y el concurso del libre albedrío. Y añadirá sin titubear que el mismo libre albedrío pertenece a la gracia de Dios, es decir, a la categoría de sus dones, no sólo en cuanto existe, sino también en cuanto es bueno o se esfuerza por cumplir los preceptos del Señor; y así la gracia divina no sólo manifiesta lo que debe hacer, más también le ayuda a obrar según la luz que le da”, De peccatorum meritis et remissione, Obras, t. IX (BAC 79), pp. 320-321.
18. Carta 194, V, p.19.
19. De natura et gratia, 43, 50 (BAC 50), p. 891.
20. Cf. A. LOBATO, Santo Tomás de Aquino en el Magisterio de la Iglesia desde la Aeterni Patris, en Atti dell´VIII Congreso Tomistico Internazionale, Città del Vaticano 1981, vol. 3, pp. 7-28.
21. DS 225-227
22. Cf. H. RONDET, La gracia de Cristo, o. c., pp. 151 ss.; un conspectus más general en M. D. CHENU, La théologie au doucième siècle, París. 1976, especialmente pp. 108-140.
23. Vid. la obra de J. MARITAIN, Arte y escolástica. Buenos Aires, 1972.
24. Summa Teol., I-II, 110-114; Com. A las Sentencias, II, 24-28
25. PEDRO LOMBARDO, II Sententiarum, d. 17
26. S. L. PÉREZ LÓPEZ, La dinámica cristiana de la fe en la Creación – Salvación, en Lumieira, 7 (1988) pp. 11-21
27. IBID., La visión de Dios como único fin del hombre, en Estudios Mindonienses 11 (1995) pp. 13-28.
28. En Sto. Tomás encontramos ya un paso decidido hacia un concepto autónomo de la naturaleza desde el punto de vista teológico. Su doctrina, sin embargo, es un claro ejemplo de equilibrio entre ambos aspectos.
29. El “hábito” es una cualidad estable del espíritu humano, ya sea natural o “adquirido”, ya sobrenatural o “infuso” (De Veritate, 12 1arg. 12: “qualitas difficile mobilis”). El hábito significa además “una cualidad operativa en cuanto mantiene y perfecciona la capacidad de poder en el hombre; por ello conviene, si se habla correctamente, que se entienda como algo que se añade a la “potencia” del mismo modo que lo perfectivo se sobrepone a lo perfectible” (Com. A las Sentencias, II, 24, 1, 1c). Los llamados “Hábitos” no tienen nada que ver con las costumbres rutinarias del hombre: estas entorpecen el ejercicio consciente y libre de los actos, aquellos por el contrario lo favorecen. El “hábito” refuerza la voluntad libre. EL virtuoso -según Sto. Tomás- no es el rutinario, sino el que responsablemente encuentra gusto y facilidad en la realización perfecta de sí mismo y de sus actos.
30. Lo sobrenatural, como gracia en sentido creado, no puede existir más que en el hombre (Cristo como hombre perfecto y los justificados). Su presencia en la realidad humana se justifica, según Tomás de Aquino, objetivamente, es decir por el modo de ser que tiene el hombre, y no exclusivamente por voluntad salvífica de Dios.
31. Cfr. Summa. Teol. I-II, 107, 1 ad 3.
32. Ibidem, 113,1.
33. Ibidem, 109, 6; III, 85,5.
34. Ibidem, 110, 1; 113, 2.
35. De Veritate, 27,7. Cfr. Flic-Alszeghy, Antropología teológica, pp. 454-455.
36. Cf. la obra de G. PHILIPS, Inhabitación trinitaria y gracia, Salamanca 1980, especialmente el cap. 7.
37. Esta preocupación es patente hasta tiempos recientes, como ejemplo véase los primeros trabajos de J. ALFARO, Trascendencia e inmanencia de lo sobrenatural, en Gregorianum 38 (1957) pp. 5-50; IBID., Persona y gracia, en ibidem 41 (1960) pp. 5-29.
38. Se manifiesta de este modo la profunda diferencia entre la concepción tomista y escotista a propósito de la justificación. Para Santo Tomás la acogida misericordiosa divina se identifica con la infusión de la gracia y la caridad, que hacen al hombre hijo de Dios. Para Escoto, por el contrario, esto no es más que condición de la acogida divina. El acto libre de Dios que acoge al pecador (esencia de la justificación para Escoto) se añade a las disposiciones humanas como algo exterior y determinante. De esta manera se da más relieve a la libertad y gratuidad del acto misericordioso de Dios, pero con ello se renuncia a hacer inteligible la obra de la justificación. Se niega efectivamente la posibilidad de explicar por qué Dios exige la caridad en el pecador que acoge como justo, es decir, por qué están infaliblemente unidos el acto con que Dios da la caridad y el acto con que Dios acoge como justo a aquel que posee la caridad. Cfr. FLICK-ALSZEGHY, o.c., pp 455-456. No todos los teólogos son de la misma opinión y hay quien afirma que, desde el punto de vista del acercamiento entre católicos y protestantes, la línea de Escoto es más viable que la tomista. Cfr W. DETTLOFF, en CFT, II, p. 489.
39. El nominalismo y más tarde el Protestantismo ahondarán, cada uno a su modo pero con ciertas coincidencias, en esta doble dirección.
40. Eckart (1260-1327), Ruysbroeck (1293-1381), Tablero (1295-1365).
41. Como sistema filosófico niega el valor de los universales para reflejar la realidad concreta; el universal es flatus vocis nada más.
42. Consecuencia lógica de la crisis metafísica y de la revisión crítica de los argumentos de la teología natural.
43. Tenemos formulado de nuevo un pelagianismo utópico, es decir, el hombre es integro en sí, si Dios lo acepta positivamente (hipótesis no real por considerarse al hombre pecador). Pero fuera de esa hipótesis el hombre podría hacer todo lo bueno, cumplir con toda la ley, etc. Los lazos entre naturaleza y gracia quedan reducidos solamente al recurso de la voluntad de Dios.
44. El nominalismo tiende a yuxtaponer los contrarios: pecado-salvación, gracia-condenación. Pero con ello se ensancha más la separación entre naturaleza y gracia, aunque se pretenda resaltar la libertad y gratuidad divinas. La teología anterior, en cambio, establecía un vínculo “espontáneo” entre naturaleza y gracia, teniendo en cuenta también la libertad de Dios.
45. Cf. R. GARCÍA VILLOSLADA, Raíces históricas del luteranismo, Mdrid 1978, especialmente las pp. 97-134.
46. Cf. el trabajo de A. LOBATO, Antropología y metaantropología. Los caminos actuales de acceso al hombre, Antropología e cristologia ieri e oggi. Atti del Convengo di studio della SITA, Roma 1987, pp. 5-41.

Posted in Lumen Veritatis - N. 1 - Outubro/Dezembro 2007 | Leave a comment

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